Comentário
A receita arrecadada com a cobrança de multas de trânsito tem destinação específica: a melhoria do próprio trânsito, o que, infelizmente, nem sempre é respeitado pelo Poder público, sendo muito comum que o pagamento das multas seja direcionado, automaticamente, para conta única do Governo do Estado ou Prefeitura, dificultando a verificação do cumprimento deste dispositivo, o que pode, por certo, ensejar questionamentos, seja do Ministério Público, seja do Poder Judiciário, seja do Tribunal de Contas e, principalmente, da sociedade.
Um controle maior sobre os gastos passou a ocorrer com a inclusão do § 2º ao artigo 320, pela Lei n. 13.281/16, pois os órgãos de trânsito passaram a ser obrigados a publicar, anualmente, na rede mundial de computadores (internet), dados sobre a receita arrecadada com a cobrança de multas de trânsito e sua destinação.
O artigo 320, ao prever aplicação exclusiva, elenca quais são as situações em que se pode utilizar a receita das multas, as quais são detalhadas na Resolução do CONTRAN n. 638/16:
I – Sinalização: conjunto de sinais de trânsito e dispositivos de segurança colocados na via pública com o objetivo de garantir sua utilização adequada, compreendendo especificamente as sinalizações vertical e horizontal e os dispositivos e sinalizações auxiliares;
II – Engenharias de tráfego e de campo: conjunto de atividades de engenharia voltado a ampliar as condições de fluidez e de segurança no trânsito;
III – Policiamento e fiscalização: atos de prevenção e repressão que visem a controlar o cumprimento da legislação de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa; e
IV – Educação de trânsito: atividade direcionada à formação do cidadão como usuário da via pública, por meio do aprendizado de normas de respeito à vida e ao meio ambiente, visando sempre o trânsito seguro.
Diante das condições estabelecidas acima, é questionável a utilização deste tipo de verba para obras viárias ou custeio do funcionamento do próprio órgão de trânsito; aliás, importante ressaltar que o orçamento destinado ao órgão de trânsito, muito embora leve em consideração a previsão de arrecadação de multas, não deve depender da imposição de penalidades, tendo em vista que se cria um círculo vicioso, no sentido de que o órgão fica dependendo da ocorrência de infrações, para que subsista, quando o que se espera do seu trabalho é, justamente, a mudança de comportamento dos usuários da via e, consequentemente, a diminuição dos atos irregulares praticados na condução de veículo.
O § 1º do 320 ainda determina o repasse de 5% do valor das multas de trânsito ao Fundo Nacional de Segurança e Educação de Trânsito – FUNSET, sob gestão do Departamento Nacional de Trânsito e regulamentado pelos artigos 4º a 6º da Lei n. 9.602/98, com complemento do Decreto n. 2.613/98, o qual prevê que a finalidade deste Fundo é custear as despesas do Denatran, relativas à operacionalização da segurança e educação de trânsito.
Tendo em vista este repasse, é comum algumas pessoas imaginarem que 5% das multas de trânsito deve ser utilizado no próprio trânsito, quando, na verdade, 100% do valor arrecadado deve ter esta destinação, com a única diferença que 95% sob responsabilidade do órgão de trânsito que aplicou a penalidade e 5% do Departamento Nacional de Trânsito.
Por fim, cabe mencionar que o sistema de arrecadação de multas de trânsito e o sistema informatizado de controle da arrecadação dos recursos do FUNSET estão, atualmente, estabelecidos pela Resolução do CONTRAN n. 637/16, alterada pela n. 677/17.
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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Art. 320
Capítulo XX - DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 320. A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada, exclusivamente, em sinalização, em engenharia de tráfego, em engenharia de campo, em policiamento, em fiscalização, em renovação de frota circulante e em educação de trânsito. (Redação dada pela Lei nº 14.440, de 2022)
§ 1º O percentual de cinco por cento do valor das multas de trânsito arrecadadas será depositado, mensalmente, na conta de fundo de âmbito nacional destinado à segurança e educação de trânsito. (Redação do § 1º dada pela Lei nº 13.281, de 2016)
§ 2º O órgão responsável deverá publicar, anualmente, na rede mundial de computadores (internet), dados sobre a receita arrecadada com a cobrança de multas de trânsito e sua destinação. (§ 2º incluído pela Lei nº 13.281, de 2016)
§ 3º O valor total destinado à recomposição das perdas de receita das concessionárias de rodovias e vias urbanas, em decorrência do não pagamento de pedágio por usuários da via, não poderá ultrapassar o montante total arrecadado por meio das multas aplicadas com fundamento no art. 209-A deste Código, ressalvado o previsto em regulamento do Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 14.157, de 2021)
Art. 320-A.
Os órgãos e as entidades do Sistema Nacional de Trânsito poderão integrar-se para a ampliação e o aprimoramento da fiscalização de trânsito, inclusive por meio do compartilhamento da receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito. (Artigo 320-A incluído pela Lei nº 13.281, de 2016)