Comentário
O processo administrativo de trânsito, previsto no Capítulo XVIII do CTB e inaugurado pelo procedimento previsto no artigo 280, encontra-se complementado, de maneira mais detalhada, na Resolução do CONTRAN n. 619/16.
A elaboração do auto de infração (ou autuação) é o registro formal de um fato típico, devidamente comprovado pela autoridade de trânsito, agente ou equipamento previamente regulamentado pelo CONTRAN, para a correspondente imposição da sanção administrativa cabível (em especial a penalidade de multa).
Trata-se de um ato administrativo vinculado, pois está restrito aos limites da lei, que determina a sua lavratura em toda ocorrência de infração (não há, portanto, liberdade de escolha, situação em que o Direito denomina de ato discricionário; com o advento do CTB e a extinção da penalidade de advertência verbal, a autuação sempre será compulsória diante da infração de trânsito constatada, ainda que, posteriormente, a autoridade de trânsito entenda oportuna a aplicação da penalidade de advertência por escrito). Em outras palavras, não cabe ao agente de trânsito escolher se quer (ou não) autuar determinado infrator de trânsito; tal providência é exigência legal.
Vale lembrar que, à luz do princípio da eficiência, obviamente, cabe ao agente de trânsito, ao operar o trânsito, empenhar-se em, sempre que possível, antecipar-se à prática infracional, evitando, por exemplo, que se estacione em local proibido pela sinalização.
O CONTRAN delegou, por meio da Resolução n. 217/06, competência ao órgão máximo executivo de trânsito da União para estabelecer os campos de preenchimento das informações do auto de infração. Desta forma, além dos incisos I a VI do artigo 280, há que se observar o disposto na Portaria do DENATRAN n. 59/07 (e suas alterações, em especial a Portaria n. 03/16), que padroniza os campos que devem existir no impresso do auto de infração, discriminando, ainda, os de preenchimento obrigatório. Quanto às características do veículo, por exemplo, a regulamentação em vigor exige apenas a placa, marca e espécie, não havendo obrigatoriedade de consignar outros elementos de identificação, como modelo e cor.
Merece destaque o inciso VI do artigo 280, que prevê a validade da assinatura do infrator como notificação do cometimento da infração. A assinatura, frise-se, não é obrigatória (nem tampouco admissão de culpa), mas, toda vez que se fizer presente no auto de infração, desobriga o órgão ou entidade de trânsito a expedir a notificação da autuação no prazo de trinta dias, como prevê o artigo 281, parágrafo único, inciso II, do CTB (ainda que inexigível o prazo, o documento deve ser enviado ao proprietário do veículo, para sua ciência) – de acordo com o artigo 3º, §§ 5º e 6º da Resolução n. 619/16, a assinatura do infrator só valerá como notificação da autuação, se o condutor também for proprietário do veículo e, ainda, se constar, do auto de infração, o prazo para apresentação da defesa da autuação.
Existem, conforme § 2º, três formas de comprovação de uma infração de trânsito:
1ª – declaração da autoridade de trânsito (dirigente máximo de órgão ou entidade executivo de trânsito ou rodoviário, ou pessoa por ele expressamente credenciada);
2ª – declaração do agente de trânsito (pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade para tal função); ou
3ª – equipamentos previamente regulamentados pelo CONTRAN, que podem ser metrológicos (realizam medição), como é o caso dos equipamentos medidores de velocidade (conhecidos como radares) ou decibelímetros ou etilômetros, ou, ainda, não metrológicos (que tão somente constatam a conduta infracional, como ocorre com os sistemas detectores de avanço de sinal vermelho do semáforo ou utilização de faixa exclusiva).
Nas duas primeiras hipóteses acima, a autoridade de trânsito e os agentes de trânsito não podem presumir a ocorrência de prática infracional. Por exemplo, não é possível, ao se constatar um veículo já estacionado na contramão de direção (infração do artigo 181, XV), autuá-lo também por transitar pela contramão de direção (infração do artigo 186, I ou II), presumindo-se a prática desta última infração.
Por outro lado, o fato de a prática infracional ter cessado não impossibilita a lavratura do AIT. Por exemplo, o condutor inabilitado que, ao ser observado pelo agente de trânsito, troca de lugar no veículo com passageiro devidamente habilitado. Ao ser abordado, o condutor inabilitado deverá ser autuado, pois a infração (artigo 162, I), momentos antes, foi regularmente constatada.
O § 3º admite a possibilidade de que a autuação de uma infração de trânsito ocorra sem a abordagem do veículo infrator (sem o flagrante), exigindo, para tanto, que o agente de trânsito informe o fato à autoridade no próprio auto de infração. O CONTRAN, contudo, complementou tal disposição, estabelecendo quais são as infrações em que a abordagem é (ou não) imprescindível, conforme as fichas de enquadramento constantes do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (Resoluções n. 371/10 e 561/15).
De acordo com o § 4º, o agente de trânsito poderá ser servidor civil que trabalhe no órgão ou entidade de trânsito e seja credenciado pela autoridade de trânsito (conforme definição do Anexo I do CTB).
É possível, mediante convênio (artigo 25), que a autoridade de trânsito se utilize do conjunto de agentes de trânsito de outro órgão ou entidade do SNT, credenciando-o para atuar como seu próprio corpo de agentes.
Contudo, carece de lastro legal convênio firmado por órgão ou entidade de trânsito que transfira a órgão não pertencente ao SNT competências afetas aos agentes de trânsito. Assim, por exemplo, não pode o órgão ou entidade executivo de trânsito municipal, mediante convênio, credenciar os professores ou os médicos da rede pública municipal como agentes de trânsito, ainda que passem a ter dedicação exclusiva às atribuições inerentes ao cargo de agente de trânsito. Nesse sentido, é o enunciado da Súmula do STF nº 685: “É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
Já as guardas municipais apresentam outro cenário: originariamente não pertenciam ao SNT (nos termos do art. 7º do CTB), porém a Lei nº 13.022, de 08 de agosto de 2014, dispõe sobre a possibilidade de que possam exercer as competências de trânsito que lhes forem conferidas, nas vias e logradouros municipais, nos termos do CTB, ou de forma concorrente, mediante convênio celebrado com órgão de trânsito estadual ou municipal.
Em relação à PM, basta que, mediante convênio (artigo 23, III), os policiais militares sejam designados pela autoridade de trânsito. Quanto a convênios com a Polícia Militar, o exemplo mais rico é o da PM/MG que fiscaliza infrações de trânsito de competência do DETRAN/MG; da BHTrans; do DER/MG; e da PRF e da ANTT (em algumas rodovias federais que cortam aquele Estado).
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Capitão da Polícia Militar de São Paulo, com atuação no policiamento de trânsito urbano desde 1996; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Professor, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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