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Art. 231 - Mudanças na legislação de trânsito em 2019, por Julyver Modesto de Araujo

Com o início de mais um ano, façamos uma breve retrospectiva de quais foram as mudanças ocorridas na Legislação de trânsito em 2019, com um total de 4 (quatro) Leis e 2 (duas) Medidas Provisórias que alteraram o Código de Trânsito Brasileiro e somente 10 (dez) Resoluções do Conselho Nacional de Trânsito, um número muito abaixo à média anual de 35 Resoluções, nestes 22 anos de vigência do atual CTB (por um motivo muito simples: alteração na composição do Conselho, como veremos a seguir).

 

Lei n. 13.804/19

Com o objetivo de propor medidas de prevenção e repressão ao contrabando, ao descaminho, ao furto, ao roubo e à receptação, esta Lei tão somente incluiu o artigo 278-A ao CTB, estabelecendo uma pena acessória ao autor de citados crimes, quando tiver utilizado veículo para a conduta delituosa, nos seguintes termos:

 

Art. 278-A. O condutor que se utilize de veículo para a prática do crime de receptação, descaminho, contrabando, previstos nos arts. 180, 334 e 334-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), condenado por um desses crimes em decisão judicial transitada em julgado, terá cassado seu documento de habilitação ou será proibido de obter a habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 5 (cinco) anos.

 

Com tal alteração, passou-se a punir o autor dos crimes de receptação, descaminho ou contrabando de forma diferenciada, por ter utilizado um veículo para tal finalidade – interessante observar que não se mencionou a palavra “automotor” após “veículo”, abrindo espaço para questionar se o mesmo rigor punitivo deve se aplicar àquele que utiliza um veículo de propulsão humana ou de tração animal na prática do crime (é possível eliminar tal interpretação apenas por entender que o alcance da pena ao documento de habilitação deve se restringir aos veículos que dela necessitam para serem conduzidos).

Também não se pune com a pena acessória criada aquele que comete receptação ou descaminho do próprio veículo, mas tão somente quando usa o veículo para transportar o objeto de delito.

O correto, aliás, seria ter se alterado o Código Penal, nos artigos mencionados, em vez do CTB, posto que se trata de alteração que interessa especificamente ao juízo criminal, ao impor a condenação pela prática destes crimes, havendo a necessidade, doravante, do conhecimento do magistrado acerca de alteração no Código de Trânsito, o qual nada tem a ver diretamente com tais ilícitos.

A Lei n. 13.804 também inovou ao estabelecer penas que não eram previstas no âmbito judicial: a CASSAÇÃO do documento de habilitação e a PROIBIÇÃO de se habilitar por prazo pré-fixado de exatos 5 anos (a parte final do artigo, ao mencionar o prazo, dá, ademais, possibilidade de dupla interpretação: se os 5 anos serão apenas para a proibição daqueles que ainda não são habilitados ou também para a cassação, que, via de regra, é por tempo indefinido).

 

Lei n. 13.840/19

Com modificações em 13 Leis (e Decreto-leis), incluindo o CTB, esta Lei dispõe sobre o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas e as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas.

Sua única alteração no CTB foi a inclusão de um § 4º ao crime do artigo 306, que tipifica o crime de trânsito de condução do veículo com alteração da capacidade psicomotora, com a seguinte redação:

 

Art. 306 ...

§ 4º  Poderá ser empregado qualquer aparelho homologado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO - para se determinar o previsto no caput.

 

Por estar prevista em Lei relacionada às políticas sobre drogas, nos dá a nítida impressão que procurou se incluir, no crime, a possibilidade de utilização de equipamento homologado pelo INMETRO para a constatação de drogas, popularmente conhecido como “drogômetro” (que já tem sido utilizado experimentalmente por alguns órgãos de trânsito e alvo de estudo para sua definitiva regulamentação pelo CONTRAN).

Trata-se de modificação, em última análise, desnecessária, posto que a condução de veículo sob efeito de substância psicoativa configura tanto infração de trânsito (artigo 165), quanto o crime do artigo 306 e, neste sentido, há que se destacar a competência do CONTRAN em regulamentar equipamentos hábeis para a comprovação da conduta, nos termos do artigo 280, § 2º, como é o caso do etilômetro, para a verificação da concentração de álcool no organismo (Resolução n. 432/13) e, neste sentido, bastaria que o “drogômetro” fosse, igualmente, objeto de ato normativo próprio (ainda inexistente), até porque servirá igualmente para as duas situações (crime e infração).

 

Lei n. 13.855/19

Esta Lei dispõe sobre transporte escolar e transporte remunerado não licenciado, alterando a gravidade das respectivas infrações e prevendo, erroneamente, uma medida administrativa inaplicável, dadas outras alterações do CTB e a dinâmica de solução da irregularidade constatada, como se verá a seguir.

A infração do artigo 230, inciso XX (Conduzir o veículo sem portar a autorização para condução de escolares, na forma estabelecida no art. 136) passou de grave para gravíssima, com fator multiplicador de cinco vezes no valor da multa.

Já a infração do artigo 231, inciso VIII (Transitar com o veículo efetuando transporte remunerado de pessoas ou bens, quando não for licenciado para esse fim, salvo casos de força maior ou com permissão da autoridade competente) passou de média para gravíssima, sem fator multiplicador.

Curioso notar que, para o transporte escolar, poderá o condutor incorrer em uma das duas infrações: se ele cumpriu todos os requisitos para o transporte, mas esqueceu a autorização em casa (por exemplo), a infração será do artigo 230, XX, com multa de R$ 1.467,35; entretanto, se ele estiver completamente irregular, por não ter cumprido os requisitos e, consequente, não obtido a autorização, a infração será do artigo 231, VIII, com multa de R$ 293,47 (uma contradição que já existia anteriormente, quando a 1ª era grave e a 2ª média, mas que agora ficou ainda mais gritante).

Também importante consignar que a palavra “licenciado”, do artigo 231, inciso VIII, tem dois significados, conforme entendimento do CONTRAN (ficha de enquadramento respectiva, no Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito): a falta do licenciamento na categoria aluguel e também a falta da licença concedida pela autoridade competente. Neste aspecto, ressalto também a condição especial dos veículos particulares utilizados no transporte remunerado de pessoas, por meio de aplicativo, que, em tese, estariam enquadrados neste dispositivo legal, mas que são considerados como LEGAIS, tendo em vista a Lei regulamentadora deste tipo de atividade, Lei n. 13.640/18, a qual incluiu o inciso X ao seu artigo 4º da Lei n. 12.587/12 (Política Nacional de Mobilidade Urbana), com o seguinte teor: “transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede”.

Em ambas as infrações, passou a ser prevista a medida administrativa de remoção do veículo, o que é inaplicável por um simples motivo: nas duas situações, a irregularidade é prontamente sanada, a partir do desembarque das pessoas que estão sendo transportadas em situação irregular, o que torna a remoção do veículo (que NÃO é punição) absolutamente desnecessária, já que o artigo 271, § 9º, do CTB (incluído pela Lei n. 13.160/15) determina que “não caberá remoção nos casos em que a irregularidade puder ser sanada no local da infração” - tal entendimento foi, inclusive, externado pela Coordenação-Geral de Apoio Técnico e Fiscalização do Departamento Nacional de Trânsito, por meio do Ofício Circular n. 1415/2019.

 

Lei n. 13.886/19

Com alterações em 6 Leis, incluindo o CTB, esta Lei reorganiza o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para acelerar a destinação de bens apreendidos ou sequestrados que tenham vinculação com o tráfico ilícito de drogas.

No CTB, foi incluído um parágrafo único ao artigo 124, com o seguinte texto:

 

Art. 124 ...

Parágrafo único. O disposto no inciso VIII do caput deste artigo não se aplica à regularização de bens apreendidos ou confiscados na forma da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

 

A aplicação prática deste dispositivo significa que os veículos que tenham sido apreendidos com o tráfico de drogas (utilizados para o tráfico ou adquiridos com dinheiro dele proveniente), ao serem confiscados para o Funad ou leiloados para particulares, devem ter seus débitos excluídos do sistema, cabendo posteriormente aos órgãos de trânsito credores a devida ação judicial para que sejam quitados pelo antigo proprietário.

 

Medida Provisória n. 882/19

A Medida Provisória n. 882/19 pretendia tornar o Conselho Nacional de Trânsito um órgão ministerial, o que, é de se registrar, já havia ocorrido de 1998 a 2003, sem que tivesse sido alterado o CTB. Na intenção do atual Governo federal, o CONTRAN seria presidido diretamente pelo Ministro da Infraestrutura (ao qual já estava vinculado, por força do Decreto federal n. 9.676/19).

Com a MP, o artigo 10 do CTB passaria a ter a seguinte redação:

 

Art. 10. O Conselho Nacional de Trânsito - Contran terá sede no Distrito Federal.

...

§ 4º O Contran será composto pelos seguintes Ministros de Estado:

I - da Infraestrutura, que o presidirá;

II - da Justiça e Segurança Pública;

III - da Defesa;

IV - das Relações Exteriores;

V - da Economia;

VI - da Educação;

VII - da Saúde;

VIII - da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; e

IX - do Meio Ambiente.

§ 5º Em seus impedimentos e suas ausências, os Ministros de Estado poderão ser representados por servidor de nível hierárquico igual ou superior ao nível 6 do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS ou, no caso do Ministério da Defesa, alternativamente, por oficial-general.

§ 6º Compete ao dirigente do órgão máximo executivo de trânsito da União a que se refere o 9º atuar como Secretário-Executivo do Contran.

§ 7º O quórum de votação e de aprovação no Contran é o de maioria absoluta.

 

Também seria incluído um artigo 10-A ao CTB:

 

Art. 10-A. Serão convidados a participar das reuniões do Contran, sem direito a voto, representantes de órgãos e entidades setoriais responsáveis pelas propostas ou matérias em exame pelo Conselho.

 

Ocorre, entretanto, que esta MP teve sua tramitação encerrada, ao término do prazo para sua vigência (60 dias, prorrogáveis por mais 60), por não ter sido convertida em Lei e, destarte, a alteração que se pretendia não mais vigora, retornando-se à redação anterior do artigo 10, que determina a presidência do CONTRAN a cargo do Diretor do DENATRAN e sendo composto por representantes dos diversos Ministérios (e não diretamente pelos Ministros).

Esta é a principal motivação pela qual, em 2019, tivemos apenas 10 Resoluções do CONTRAN, pois elas foram expedidas apenas no período em que o Conselho teve a composição determinada pela MP; no seu encerramento, deveria o CONTRAN ter sido novamente recomposto, o que ainda não ocorreu até o final de dezembro.

 

Medida Provisória n. 904/19

Tendo sido alvo de várias críticas e gerando grande polêmica, a MP n. 904/19 tem como objetivo a extinção do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres - DPVAT, criado pela Lei n. 6.194, de 19 de dezembro de 1974, e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Embarcações ou por suas Cargas - DPEM, de que trata a alínea “l” do caput do art. 20 do Decreto-Lei n. 73, de 21 de novembro de 1966.

No CTB, a alteração específica seria a revogação do parágrafo único do artigo 78, que assim dispõe: “o percentual de dez por cento do total dos valores arrecadados destinados à Previdência Social, do Prêmio do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por Veículos Automotores de Via Terrestre - DPVAT, de que trata a Lei nº 6.194, de 19 de dezembro de 1974, serão repassados mensalmente ao Coordenador do Sistema Nacional de Trânsito para aplicação exclusiva em programas de que trata este artigo”.

Prestes a entrar em vigor, em 01JAN20, esta MP foi, contudo, alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 6.262, pelo Partido Rede Sustentabilidade e, em 19DEZ19, atendendo ao pedido cautelar, o Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Ministro Edson Fachin, decidiu pela suspensão liminar da Medida Provisória.

Os dois principais argumentos utilizados foram o fato de parte dos recursos do DPVAT serem utilizados para proteção de vítimas de trânsito no Sistema Único de Saúde (SUS) e a ausência dos requisitos de urgência e relevância na matéria para justificar a edição por meio de Medida Provisória (o que deveria ocorrer, se fosse o caso, por meio de projeto de lei complementar).

 

RESOLUÇÕES DO CONTRAN N. 771 A 780/19

Por fim, tivemos, como afirmado anteriormente, 10 Resoluções do CONTRAN, com os seguintes temas (destaque para as Resoluções n. 778 e 780, as quais tratam, respectivamente, de mudanças no processo de formação de condutores e especificações do novo modelo de placas de identificação veicular, padrão MERCOSUL):

771: Estabelece o tema, a mensagem e o cronograma da campanha educativa de trânsito a ser realizada de maio de 2019 a abril de 2020;

772: Revoga a Resolução CONTRAN nº 706, de 25 de outubro de 2017, que dispõe sobre a padronização dos procedimentos administrativos na lavratura de auto de infração, na expedição de notificação de autuação e de notificação de penalidades por infrações de responsabilidade de pedestres e de ciclistas, expressamente mencionadas no Código de Trânsito Brasileiro – CTB, e dá outras providências;

773: Prorroga o prazo para a entrada em vigor da Resolução CONTRAN nº 689, de 27 de setembro de 2017, para os aspectos relacionados ao Sistema RENAGRAV; 774:

774: Revoga a Resolução CONTRAN nº 709, de 25 de outubro de 2017, que dispõe sobre a publicação na internet dos nomes e códigos dos agentes e autoridades de trânsito, bem como os convênios de fiscalização de trânsito celebrados pelos órgãos e entidades executivos de trânsito;

775: Altera os modelos da Carteira Nacional de Habilitação – CNH, da Autorização para Conduzir Ciclomotor - ACC, do Certificado de Registro do Veículo – CRV e do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV;

776: Aprova o Regimento Interno do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN);

777: Estabelece o Regimento Interno das Câmaras Temáticas do CONTRAN;

778: Altera as Resoluções CONTRAN nº 168, de 14 de dezembro de 2004, e nº 358, de 13 de agosto de 2010, para dispor sobre aula prática noturna, carga horária para obtenção da ACC e tornar facultativo o uso de simulador de direção veicular no processo de formação de condutores;

779: Altera o item 8 do Anexo da Resolução CONTRAN nº 688, de 15 de agosto de 2017, que estabelece diretrizes para a elaboração do Regimento Interno, gestão e operacionalização das atividades dos Conselhos Estaduais de Trânsito (CETRAN) e do Conselho de Trânsito do Distrito Federal (CONTRANDIFE); e

780: Dispõe sobre o novo sistema de Placas de Identificação Veicular.

 

São Paulo, 03 de janeiro de 2020.

 

JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.

 

AS IMAGENS EXIBIDAS SÃO MERAMENTE ILUSTRATIVAS. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. ATUALIZADO EM: 20/09/2017. POWERED BY TOTALIZE INTERNET STUDIO.  Site map