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Art. 193 - Estacionamento na calçada, por Julyver Modesto de Araujo

    O artigo 48 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que “nas paradas, operações de carga ou descarga e nos estacionamentos, o veículo deverá ser posicionado no sentido do fluxo, paralelo ao bordo da pista de rolamento e junto à guia da calçada (meio-fio), admitidas as exceções devidamente sinalizadas”, sendo complementado, pelo seu § 2º, em relação às motocicletas, motonetas e ciclomotores: “o estacionamento dos veículos motorizados de duas rodas será feito em posição perpendicular à guia da calçada (meio-fio) e junto a ela, salvo quando houver sinalização que determine outra condição”.
    Pela análise desta norma geral de circulação e conduta, é possível concluir pela impossibilidade de que um veículo automotor seja estacionado sobre a calçada, já que a regra é que ele seja imobilizado na pista de rolamento, junto à guia da calçada.
    Todavia, quando verificamos as infrações de estacionamento, constantes do artigo 181 do CTB, não encontramos a conduta de “estacionar na calçada”, mas apenas de estacionar no passeio (artigo 181, inciso VIII), sendo que, se a imobilização do veículo for com a finalidade e pelo tempo estritamente necessário para se efetuar o embarque e desembarque de passageiros, restará configurada a infração de parar no passeio (artigo 182, inciso VI).
    Desta forma, importante verificar qual é a distinção entre calçada e passeio, o que nos é apresentado pelo próprio Código de Trânsito, em seu Anexo I, que assim dispõe:
- CALÇADA - parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins.
- PASSEIO - parte da calçada ou da pista de rolamento, neste último caso, separada por pintura ou elemento físico separador, livre de interferências, destinada à circulação exclusiva de pedestres e, excepcionalmente, de ciclistas.
    Como se vê, a diferença é muito sutil, sendo certo que, em determinados casos, a calçada pode ser considerada, por completo, como um passeio. Somente naqueles locais em que há outra utilização, como instalação de uma banca de jornal, poste de fiação elétrica, telefone público, jardim, bancos, sinalização de trânsito etc., é que teremos uma área segregada da pista de rolamento, denominada calçada, a qual será o conjunto de todo aquele espaço, enquanto que a área restante, por não estar ocupada pelos elementos elencados, será designada passeio, isto é, podemos dizer que “passeio é o que sobra da calçada, para utilização pelo pedestre”. 
    O artigo 68 ainda estabelece que é assegurada ao pedestre a utilização dos passeios, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres, ou seja, se não há qualquer outra interferência naquele espaço (como os exemplos mencionados), toda a calçada é considerada passeio.
    O conceito também denomina de passeio a parte da pista de rolamento, separada por pintura ou elemento físico separador, muito comum em cidades litorâneas, na orla da praia (neste caso, não há a segregação em nível diferente, própria das calçadas, mas apenas uma divisão entre pedestres e veículos, por pintura ou elemento físico separador).
    A partir desta explicação, a primeira conclusão que podemos apontar, portanto, é que a infração de trânsito relacionada à imobilização do veículo na área de pedestre é descrita como estacionar (ou parar) no passeio, não devendo ser utilizada, pelos agentes de trânsito, a anotação, no auto de infração, da conduta de estacionar (ou parar) na calçada, posto que não existe esta tipificação legal (vale apontar, inclusive, que, dentre os Projetos de Lei para alteração do Código de Trânsito Brasileiro, encontra-se em tramitação o PL n. 2.872/08, que pretende incluir, nos artigos 181, VIII, e 182, VI, a palavra calçada, a exemplo do que já se encontra no artigo 193, que pune aquele que transitar sobre calçada ou passeio, indistintamente), a fim de não gerar dúvidas se deve ou não ser punido o veículo que é imobilizado na área da calçada e que não prejudique totalmente a utilização pelo pedestre.
    Decorre daí a segunda análise desta questão, que é justamente avaliar se o estacionamento de um veículo apenas com duas rodas sobre a guia da calçada, ou bem ao lado de uma banca de jornal, também caracteriza infração de trânsito de estacionar no passeio, e, apesar dos comentários iniciais, a resposta é positiva: sim, também é infração, o que significa que, não obstante os conceitos técnicos específicos de cada nomenclatura utilizada pelo CTB, em qualquer situação caberá punição ao condutor pela utilização da calçada (seja em movimento ou imobilizado).
    Tal entendimento decorre da padronização de procedimentos criada pelo Conselho Nacional de Trânsito, por meio do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (Resolução n. 371/10), tendo em vista que a ficha de enquadramento do artigo 181, inciso VIII, traz a informação de que deve ser autuado o “veículo estacionado em área destinada ao trânsito de pedestres, mesmo que: - parte do veículo; - excedendo o limite do lote; - o passeio seja largo ou indefinido; e – motocicleta, motonetas ou similares” (o que é repetido na ficha do artigo 182, inciso VI, referente à infração de parada).
    Concluindo: a distinção da denominação é um mero detalhe, que em nada altera o fato de que no passeio ou na calçada, é proibida a circulação e imobilização de veículos.
    O tamanho da calçada é outra questão que gera bastante dúvida, pois não há, na legislação de trânsito, um padrão único a ser utilizado nas cidades, o que depende de aprovação em cada município, devendo ser previsto nas leis locais que versam sobre o planejamento urbano, como o Plano Diretor e o Código de Posturas municipal, as quais também podem estabelecer regras sobre a responsabilidade pela construção e manutenção das calçadas: se do proprietário de cada lote, ou da própria municipalidade.
    Em termos gerais, o que existem são normas técnicas de referência, em especial a Norma Brasileira da Associação Brasileira de Normas Técnicas n. 9050, de 2004, que versa sobre acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos.
    Outro assunto que merece nossa atenção é que, atendidas as metragens mínimas de construção das calçadas, alguns proprietários de imóveis separam um pedaço de seu próprio lote, para permitir o estacionamento de veículos, como ocorre nas entradas de estabelecimentos comerciais, para acesso de seus clientes, espaço este que denominamos de recuo; nestes casos, sendo dentro do terreno particular, e além do espaço obrigatório pela lei local para a construção da calçada, não se trata de elemento constituinte da via pública e, portanto, não cabe aplicação do Código de Trânsito.
    Se, por exemplo, alguém estaciona neste recuo, sem ser cliente do estabelecimento comercial, não há que se aplicar multa de trânsito (até porque inexiste enquadramento específico para esta conduta), nem tampouco remover o veículo ao pátio do órgão de trânsito; trata-se, na verdade, de uma afronta ao direito de posse do legítimo proprietário do terreno (o que se assemelha a alguém que entra com seu veículo, inadvertidamente, na garagem alheia, ou, saindo da seara do trânsito, equivale à situação da invasão de terra). 
    A legislação trata esta afronta pelo nome de “esbulho possessório”, sendo previsto, no artigo 1.210, § 1º, do Código Civil, que “o possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse”. Em outras palavras, cabe ao proprietário daquele lote onde se localiza o recuo, repelir a injusta agressão ao seu direito de posse, podendo retirar dali, por sua própria força, o veículo daquele que cometeu o esbulho (acionando um guincho particular, por exemplo). O esbulho possessório também pode caracterizar crime, quando cometido com violência a pessoa ou grave ameaça (artigo 161, § 1º, inciso II, do Código Penal).
    Embora dentro do recuo não caiba aplicação do CTB, se outro veículo é estacionado, na via pública, diante do recuo de imóveis privados, impossibilitando o seu acesso, aí sim caberá punição àquele que estacionou indevidamente na via: se a guia estiver rebaixada, com efetiva utilização para entrada e saída de veículos, estará configurada a infração do artigo 181, inciso IX; se não houver guia rebaixada, mas o fato impedir a movimentação de veículos que já se encontrem estacionados no recuo, a conduta caracteriza a infração do artigo 181, inciso X (sendo importante esclarecer que a simples parada, para embarque e desembarque de passageiros, não é punível nestas situações).
 
 
São Paulo, 10 de junho de 2015.
 
 
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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