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Art. 25 - Convênios entre órgãos de trânsito, por Julyver Modesto de Araujo

    A gestão do trânsito, no Brasil, é realizada de maneira sistêmica, com a atuação coordenada de diferentes órgãos e entidades, das três esferas de governo: União, Estados (e DF) e Municípios, os quais compõem o denominado Sistema Nacional de Trânsito, e possuem competências específicas, previstas no Capítulo II do Código de Trânsito Brasileiro.
    A coordenação deste Sistema é atribuída ao Conselho Nacional de Trânsito – Contran, que está vinculado ao Ministério das Cidades, coordenador máximo designado pelo Presidente da República, nos termos do artigo 9º do CTB e Decreto federal n. 4.711/03.
    O artigo 7º do CTB estabelece a composição do Sistema Nacional de Trânsito, compreendendo órgãos e entidades que podem ser classificados, didaticamente, em quatro categorias: I – normativos; II – executivos (de trânsito e rodoviários); III – fiscalizadores; e IV – julgadores.
    A possibilidade de celebração entre os órgãos de trânsito está prevista no artigo 25 do Código de Trânsito Brasileiro, nos seguintes termos:
Art. 25 - Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste Código, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.
Parágrafo único - Os órgãos e entidades de trânsito poderão prestar serviços de capacitação técnica, assessoria e monitoramento das atividades relativas ao trânsito durante prazo a ser estabelecido entre as partes, com ressarcimento dos custos apropriados.
    Levando-se em consideração as categorias dos componentes do Sistema Nacional de Trânsito, mencionadas anteriormente, verifica-se que a celebração de convênios abrange tão apenas os órgãos e entidades EXECUTIVOS, a seguir resumidos:
 
  EXECUTIVOS DE TRÂNSITO EXECUTIVOS RODOVIÁRIOS
UNIÃO DENATRAN DNIT (*)
ESTADOS DETRAN DER (**)
MUNICÍPIOS ÓRGÃOS MUNICIPAIS (***) ÓRGÃOS MUNICIPAIS (***)
Obs.: (*) o DNIT – Departamento Nacional de Infra-Estrutra de Transportes foi criado pela Lei n. 10.233/01 e substituiu o antigo DNER, para exercer a função de órgão executivo rodoviário da União, ressalvadas as competências da Polícia Rodoviária Federal e da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT (sobre o tema, vide Resolução do Contran n. 289/08).
           (**) a sigla DER – Departamento de Estradas de Rodagem é utilizada na maioria dos Estados, para designar o órgão executivo rodoviário, mas algumas Unidades Federativas optam por outras denominações, como DAER (RS), DEINFRA (SC), DERT (TO), DERACRE (AC) etc;
           (***) os órgãos executivos municipais (de trânsito e rodoviários) dependem de criação, em cada Prefeitura, conforme prevêem os artigos 8º e 24, § 2º, do CTB e Resolução do Contran n. 296/08.       
 
    Os órgãos e entidades executivos rodoviários não possuem competências diferenciadas entre si, alterando apenas a área de atuação territorial (circunscrição) de cada um, conforme dispõe o artigo 21 do CTB, de modo que as atribuições exercidas pelo DNIT, nas rodovias federais, são as mesmas que o DER realiza nas rodovias estaduais, e que, eventualmente, o órgão municipal rodoviário exerce nas rodovias municipais, não havendo, portanto, lógica em se firmar convênio, para delegação de atividades entre os órgãos executivos rodoviários, que já se limitam pelo espaço físico de sua responsabilidade. 
    Desta forma, a aplicabilidade do artigo 25 acaba por restringir-se à delegação de atividades entre os órgãos executivos de trânsito, não sendo comum, todavia, que ocorra tal transferência de atribuições do órgão máximo executivo de trânsito da União (Denatran), o que nos leva a outra conclusão: usualmente, os convênios entre órgãos de trânsito, nos termos do artigo 25 do CTB, envolvem a atuação colaborativa entre o órgão executivo estadual (Detran), cujas competências estão delineadas no artigo 22, e os órgãos executivos municipais (conforme a organização administrativa de cada Prefeitura), os quais exercem as atribuições constantes do artigo 24.
    Dentre as competências constantes dos artigos 22 e 24, tais convênios têm sido utilizados para permitir uma amplitude maior no exercício da fiscalização de trânsito; isto porque, diferentemente do que ocorre no âmbito das rodovias (em que cada órgão executa a fiscalização integral, dentro de sua circunscrição), nas áreas urbanas, a competência para fiscalização é originariamente dividida, de acordo com o tipo de infração de trânsito cometida pelo condutor.
    Assim, cabe ao órgão executivo de trânsito municipal, executar a fiscalização de trânsito nas infrações de circulação, estacionamento e parada (artigo 24, VI); excesso de peso, dimensões e lotação (artigo 24, VIII) e cometidas por ciclomotores, veículos de tração animal e propulsão humana (artigo 24, XVII); excetuadas estas infrações, as outras são de fiscalização de competência do órgão executivo de trânsito estadual (artigo 22, V), as quais podemos, genericamente, classificar como sendo aquelas ligadas diretamente ao veículo e ao condutor. Para que esta divisão seja mais exata, a partir das considerações apresentadas, o Conselho Nacional de Trânsito criou uma tabela de distribuição de competências para fiscalização, nas áreas urbanas, por meio da Resolução do Contran n. 66/98, a qual limita as infrações que podem ser fiscalizadas e, consequentemente, punidas com as sanções administrativas, pelos órgãos executivos de trânsito.
    O convênio permite, portanto, que a fiscalização originariamente dividida seja exercida integralmente pelos órgãos conveniados, podendo ser previsto repasse financeiro não só pelos custos dos serviços prestados (parágrafo único do artigo 25), como decorrente da divisão dos valores arrecadados com multas de trânsito aplicadas; por este motivo, tem sido comum denominar estes acordos bilaterais como “convênios de reciprocidade”.
    A legitimidade para assinatura destes convênios dependerá da organização administrativa de cada órgão ou entidade de trânsito; pois, sendo órgão integrante da Administração pública direta, não possuirá personalidade jurídica própria, nem tampouco autonomia administrativa, dependendo da gestão direta do Chefe do Poder Executivo (Governador ou Prefeito); nos casos de entidade da Administração indireta (fundação, autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista), a sua constituição jurídica permite deliberar acerca dos contratos com os outros componentes do Sistema Nacional de Trânsito, firmando diretamente o convênio de seu interesse. 
    Uma situação que também merece nossa atenção é a questionável celebração de convênios celebrados diretamente entre Prefeituras e Governos Estaduais, para permitir ao Detran assumir as responsabilidades que seriam municipais, dada a inexistência de órgão ou entidade executivo de trânsito no Município; questionável porque, pela dicção do artigo 25, o Código de Trânsito permite a celebração de convênios entre órgãos executivos de trânsito e não entre entes federativos que não os possuem, posto que a primeira premissa a ser destacada, para validade deste acordo, é que somente pode delegar atividades o órgão que as possua e, neste aspecto, vale a leitura do § 2º do artigo 24 do CTB: “Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art. 333 deste Código”.
    O artigo 333 apenas prevê a competência do Conselho Nacional de Trânsito, para regular sobre a integração dos Municípios ao Sistema Nacional de Trânsito, o que, atualmente, se encontra descrito na Resolução n. 296/08.
    Dos 5.570 municípios brasileiros, passados 17 anos de publicação do CTB, a integração ao SNT atingiu um percentual de menos de 30%: foram, até agora, somente 1.430 municípios (consulta à homepage do Denatran, em 10/05/14). Apesar de a “municipalização do trânsito” constituir uma obrigação e não uma opção, segundo o próprio “Manual de municipalização do trânsito” do Denatran, o fato é que ainda existem mais de 4.000 cidades que não possuem a estrutura necessária ao cumprimento do artigo 24 do CTB (muito embora as cidades que já possuem órgãos e entidades de trânsito concentrem cerca de 90% da frota de veículos, de acordo com informações do Denatran).
    Na ausência de integração local ao Sistema Nacional de Trânsito, o § 2º do artigo 24 já exclui a possibilidade de que o Município exerça as competências daquele dispositivo legal (que não se restringem apenas à fiscalização de trânsito, anteriormente explanada, mas também a regulamentação do trânsito na cidade e a instalação de sinalização viária, por exemplo) e, destarte, não pode delegar o que não lhe compete; por este motivo, irregular a celebração de convênio, sem órgão de trânsito municipal, estruturado nos termos da Resolução n. 296/08.
    Apesar de questionável, este tipo de convênio tem sido celebrado em algumas Unidades da federação, acarretando ainda mais omissão por parte do Poder público municipal, fazendo com que o Município se furte às responsabilidades que lhe foram determinadas pela legislação de trânsito brasileira, desde 1998.
    Pior ainda tem sido a assunção automática, pelo órgão executivo estadual, das atribuições que seriam de competência do Município, por conta da sua inércia. Os que defendem tal prática argumentam que, enquanto o Município não se adequar às exigências da legislação de trânsito, o Estado deveria suprir o seu papel, para evitar o caos no trânsito ou uma “terra sem lei”; embora meritório o raciocínio, tal estratégia tem afastado ainda mais os Prefeitos da necessidade de se estruturar o órgão municipal de trânsito, o que, nas cidades pequenas, pode muito bem ser feito mediante a criação de consórcios públicos, nos termos do artigo 5º da Resolução n. 296/08 e de acordo com a Lei federal n. 11.107/05. Ademais, há que se apontar que todo ato administrativo, para sua validade, deve apresentar requisitos mínimos, entre os quais se inclui o da competência e, neste aspecto, lembrando as palavras do eminente administrativista Caio Tácito “não é competente quem quer, mas quem pode segundo a norma de Direito”.
    Concluindo: primeiramente, há a necessidade de integração do Município ao Sistema Nacional de Trânsito, para, somente a partir daí, firmar-se convênio entre o órgão municipal e o órgão estadual, a fim de se delegar as atividades próprias de cada um, com vistas à maior eficiência e à segurança para os usuários da via.
    Por fim, cabe explicar que não se deve confundir a situação ora narrada, com o convênio firmado entre órgão executivo de trânsito (estadual ou municipal), com a Polícia Militar de cada Estado, para lhe permitir o exercício da fiscalização de trânsito, como agente da autoridade de trânsito, nos termos do artigo 23, inciso III, do CTB. Neste caso, não há a “delegação de atividades”, mas o credenciamento (exigido pela própria lei), para que a PM atue como agente do órgão conveniado, a quem continuará competindo a aplicação das penalidades de trânsito, em decorrência das infrações constatadas, na via pública, pelo policial militar abrangido pelo convênio firmado.
    Ressalto, por oportuno, que exemplo semelhante do convênio firmado para a atuação da PM como agente de trânsito foi previsto, recentemente, na legislação brasileira, com a edição da Lei n. 13.022/14, que aprovou o Estatuto Geral das Guardas Municipais, a qual prevê, em seu artigo 5º, inciso VI, a possibilidade de se firmar convênio entre GM e órgão de trânsito estadual ou municipal, para o exercício da fiscalização de trânsito.
 
 
São Paulo, 10 de outubro de 2014.
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
 
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