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Art. 221 - Infrações de trânsito ou infrações administrativas?, por Julyver Modesto de Araujo

    O Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 161, conceitua “infração de trânsito” como sendo o descumprimento de qualquer preceito do Código, da legislação complementar ou das Resoluções do CONTRAN, tipificando as condutas infracionais nos artigos seguintes (162 a 255).
    Entretanto, se analisarmos o conceito complementar, da própria palavra “trânsito”, que é apresentada sinteticamente, pelo Anexo I do CTB, como a “movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrrestres”, teremos de nos questionar se a “infração de trânsito” somente é aquela ocorrida durante a utilização da via pública ou abrange qualquer conduta considerada pelo Código como irregular.
    Da leitura e análise dos artigos 162 a 255, percebemos, claramente, que, em sua maioria, as condutas ocorrem realmente na utilização da via pública, ainda que de maneira indireta, como a punição ao promotor de competição esportiva não autorizada (artigo 174, parágrafo único) ou ao proprietário que entrega ou permite a condução do veículo a pessoa não habilitada, com habilitação suspensa ou cassada, com categoria diferente ou vencida há mais de trinta dias (artigos 163 e 164).
    Todavia, existem 7 (sete) infrações especiais, que não ocorrem na utilização da via pública:
I - Confeccionar, distribuir ou colocar, em veículo próprio ou de terceiros, placas de identificação não autorizadas pela regulamentação (parágrafo único do artigo 221);
II - Deixar de efetuar o registro de veículo no prazo de trinta dias, junto ao órgão executivo de trânsito, ocorridas as hipóteses previstas no art. 123, por exemplo, na transferência de propriedade (art. 233); 
III - Falsificar ou adulterar documento de habilitação e de identificação do veículo (artigo 234);
IV - Deixar o responsável de promover a baixa do registro de veículo irrecuperável ou definitivamente desmontado (art. 240);
V - Deixar de atualizar o cadastro de registro do veículo ou de habilitação do condutor (art. 241); 
VI - Fazer falsa declaração de domicílio para fins de registro, licenciamento ou habilitação (art. 242);
VII - Deixar a empresa seguradora de comunicar ao órgão executivo de trânsito competente a ocorrência de perda total do veículo e de lhe devolver as respectivas placas e documentos (art. 243).
    Apesar de estarem tipificadas no Capítulo do CTB destinado às infrações de trânsito, considero inapropriada tal qualificação, pois são, na verdade, infrações administrativas, por constituírem descumprimento à legislação não diretamente relacionada às normas viárias.
    Tal análise pode parecer mero detalhe semântico, mas tem uma importância fundamental, na atribuição de responsabilidades aos respectivos infratores. Isto porque o artigo 257, ao estabelecer a quem devem ser impostas as penalidades de trânsito, prescreve que “ao proprietário caberá sempre a responsabilidade pela infração referente à prévia regularização e preenchimento das formalidades e condições exigidas para o trânsito do veículo na via terrestre, conservação e inalterabilidade de suas características, componentes, agregados, habilitação legal e compatível de seus condutores, quando esta for exigida, e outras disposições que deva observar” (§ 2º), enquanto que “ao condutor caberá a responsabilidade pelas infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo” (§ 3º).
    Destarte, é de se imaginar que, não se tratando de infrações decorrentes de atos praticados na direção do veículo, caberia a responsabilidade, nas condutas retro-mencionadas, aos proprietários dos veículos; mas tal raciocínio somente seria válido na infração do artigo 233 (ex.: falta de transferência do veículo, em trinta dias); posto que, nos demais, o verbo utilizado para caracterizar a conduta somente permite punir aquele que, efetivamente, a cometeu (e, neste caso, há que se aplicar a parte final do caput do artigo 257, que se refere aos “casos de descumprimento de obrigações e deveres impostos a pessoas físicas ou jurídicas expressamente mencionados neste Código”).
    Aliás, embora seja prevista, inclusive, a penalidade de multa a tais condutas, também é de se questionar a forma de imposição da sanção administrativa a algumas delas, pois o sistema constante no Código de Trânsito pressupõe a existência do registro de um veículo, para a devida inclusão da multa de trânsito, o que não ocorre, necessariamente, nas infrações de falsificação de documento de habilitação (artigo 234) ou falsa declaração de domicílio para registro da habilitação (artigo 242). No caso dos artigos 240 e 243, a curiosidade se dá pelo fato de que o veículo não possui mais utilização pelo proprietário e, desta forma, só adiantará inserir mais uma multa, se houver a devida cobrança pelo órgão de trânsito, já que não haverá mais o seu licenciamento anual (no artigo 243, nem mesmo haverá pontuação no prontuário do infrator, já que se trata de pessoa jurídica).
    Outro desdobramento importante, que vem ocorrendo com muita frequência, é a consequência da imposição de multa de trânsito pela infração do artigo 233 ao proprietário, portador da Permissão para Dirigir, quando não efetua a transferência do veículo em trinta dias: como o artigo 148, §§ 3º e 4º, estabelece que, no período de um ano da PPD, o permissionário não pode cometer nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima, nem ser reincidente em infrações médias, e tendo em vista que o artigo 233 é classificado como grave, tal pontuação tem obrigado mesmo aqueles que se comportaram exemplarmente na condução do veículo na via pública, a reiniciar todo o processo de habilitação, por conta de uma infração meramente administrativa. Ou seja, o objetivo maior deste dispositivo, que é verificar o comportamento seguro do condutor, na utilização da via pública, no início de sua habilitação, está sendo deturpado, por um mero descumprimento de norma administrativa (ainda que esta deva ser objeto da punição pecuniária).
    O assunto, inclusive, já está sendo debatido no Congresso Nacional, com a apresentação do Projeto de Lei nº 662/11, do Dep Fed Gilmar Machado (PT/MG), cuja tramitação está disponível no site da Câmara. A proposição, que já teve parecer favorável da Comissão de Viação e Transportes (em agosto de 2012), encontra-se, atualmente, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, e pretende incluir um parágrafo único no artigo 233, com a seguinte redação: “Caso seja cometida pelo portador da Permissão para Dirigir, essa infração será classificada na categoria média”, justamente com a finalidade de não constituir óbice à obtenção da CNH, ao término do período da PPD (e considerando que esta seria a única infração de natureza média cometida).
    Para realçar a preocupação que apontei, faço questão de destacar trechos do Parecer do relator da CVT, Dep Fed Hugo Leal: “O autor do projeto toca em um ponto importante. Deve o condutor com Permissão para Dirigir ser penalizado com uma infração de natureza grave, apenas de ordem administrativa que não venha a comprometer a segurança do trânsito?...” e, logo adiante, acrescenta: “Reconhecemos que a infração prevista no artigo 233, embora não deva ser suprimida do Código, não atenta contra a conduta do motorista no trânsito, em favor da segurança. Esse é um aspecto relevante da questão em foco.” (grifos meus).
    Embora o Projeto de Lei traga um alento aos permissionários proprietários de veículos que, por qualquer motivo, deixam de providenciar a transferência do registro no prazo legal, existem duas outras questões que continuarão sendo motivo de impasse:
1ª) o fato de estabelecer, para o permissionário, que esta infração será classificada como de natureza média, não resolverá as situações em que ele tiver cometido outra infração de trânsito de mesma gravidade, pois a reincidência acarretará o empecilho legal que está sendo compreendido, pelo próprio legislador, como impróprio, por não constituir risco à segurança do trânsito;
2ª) a mesma análise teria de ser desenvolvida para as infrações administrativas dos artigos 234 (gravíssima), 240 (grave) e 242 (gravíssima). Em relação à infração do artigo 243, embora seja grave, é exclusiva de responsabilidade da empresa seguradora e, portanto, não se aplica à presente demanda.
    Independente da divisão didática que ora apresento, entre infrações de trânsito e administrativas (que reconheço não ser abordada pelo CTB), uma alteração legislativa mais eficaz e justa, frente aos princípios do Código de Trânsito, seria a inclusão de um parágrafo no artigo 259, que versa sobre a pontuação pelo cometimento de infrações, esclarecendo que, no caso das sete condutas aqui discorridas, não há atribuição de pontos ao infrator, posto não se tratar de condutas relativas à circulação viária e, consequentemente, à segurança do trânsito.
    Sem esta alteração no texto legal, o órgão de trânsito acaba sendo obrigado a tratar as infrações administrativas como se de trânsito fossem, com as mesmas consequências atribuídas às condutas que, realmente, colocam em risco a segurança do trânsito.
 
 
São Paulo, 10 de dezembro de 2012.
 
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, MESTRE em Direito do Estado pela PUC/SP e ESPECIALISTA em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; CAPITÃO da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito, além do blog www.transitoumaimagem100palavras.blogspot.com.
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