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Art. 28 - Perceba o risco e proteja a vida, por Julyver Modesto de Araujo

O Movimento Maio Amarelo, de iniciativa do Observatório Nacional de Segurança Viária, com repercussão internacional e reconhecimento oficial do Ministério da Infraestrutura (e, consequentemente, de todo o Sistema Nacional de Trânsito) é, seguramente, um período de conscientização no trânsito de maior relevância do que a Semana Nacional instituída por Lei (artigo 326 do Código de Trânsito Brasileiro) e adotou, em 2020, o tema “Perceba o risco. Proteja a vida”, a respeito do qual quero apresentar minha particular impressão e propor algumas reflexões acerca do assunto (também expostas no Episódio 109 do meu Podcast, disponível em bit.ly/JMP109).

O artigo 28 do CTB estabelece que “o condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito”. A partir deste dispositivo legal, constante do Capítulo destinado às normas gerais de circulação e conduta, inicio minhas considerações, com a proposta de relacionar a palavra “atenção”, do texto do CTB, com a palavra “perceba” (o risco) do tema estabelecido para o Maio Amarelo de 2020: no linguajar comum, vulgar, cotidiano, quando falamos em “perceber”, muitas vezes estamos falando no sentido de “estar atento”, de “notar”, de “tomar ciência”; mas, se formos estudar o alcance do termo “percepção”, vamos concluir que “ATENÇÃO” é diferente de “PERCEPÇÃO”.

O Código de Trânsito, como visto, determina que o condutor tenha atenção no trânsito e o que é então a “percepção do risco”? O que significa o condutor perceber o risco e, a partir disso, proteger a vida?

Há alguns anos, o Departamento de Transportes de Londres desenvolveu uma campanha publicitária muito interessante em que mostra exatamente a necessidade de prestar atenção naquilo que é importante em um determinado contexto – o filme curto (que apresento no Podcast disponível em bit.ly/JMP109) procura fazer uma analogia de uma cena de investigação de assassinato com a atenção que devemos ter em uma estrada movimentada, para a proteção dos mais vulneráveis (com foco para os ciclistas) e demonstra o quanto deixamos passar várias informações pela falta de atenção – é neste aspecto que quero diferenciar “atenção” de “percepção”, pois não adianta se falar em “perceber o risco” como sinônimo de “saber da sua existência” ou “ter conhecimento suficiente a respeito daquele risco e das suas consequências”.

Às vezes a pessoa tem conhecimento sobre a legislação de trânsito, sobre as consequências advindas de ter assumido um risco para a segurança viária e, ainda assim, adota um comportamento inseguro; às vezes a pessoa percebe que está numa velocidade excessiva, só que aquela sua percepção tem um resultado diferente em relação ao comportamento de outra pessoa; então, “perceber”, no sentido de apenas “ciência da existência” não é exatamente o propósito que, em minha opinião, nós, profissionais de trânsito, devemos ter em mente quando queremos promover mudanças para um trânsito mais seguro.

Na história da humanidade, sempre se procurou avaliar aspectos da “percepção”, de como o ser humano se relaciona com o mundo que o cerca. Desde os primeiros pensadores da Grécia Antiga, os filósofos pré-socráticos, que se passou a questionar sobre essa relação entre o homem e o mundo: ao se perguntar se “o mundo existe por que o homem o vê ou o homem vê um mundo que já existe?”, os primeiros filósofos começaram a concluir que “o homem se relaciona com o mundo através da percepção”.

O primeiro filósofo que se tem notícia, segundo a história (da civilização ocidental), foi um grego chamado Tales de Mileto - numa das suas alegorias, de suas “verdades” (estes filósofos são conhecidos como “sofistas”, porque defendiam determinados “sofismas”, como verdades absolutas), ele dizia que tudo que existe na terra é derivado da água, a qual era o elemento principal de criação do mundo. Já Heráclito de Efésio, outro filósofo pré-socrático, dizia uma frase (que talvez você já tenha ouvido outras vezes), “que o mesmo homem não entra duas vezes no mesmo rio, porque, quando ele entra pela segunda vez, as águas já não são mais as mesmas e ele também já teve mudanças”.

Estes primeiros filósofos tratavam de como o homem se relacionava com o mundo. Se formos buscar nas diversas áreas do conhecimento humano: na Filosofia, Psicologia, Física, Neurociência (ou Neurolinguística), Psicologia do trânsito, encontraremos diversas vertentes e formas de se expressar o que é “percepção”, sendo que elas têm alguns pontos em comum e é isso que eu quero te apresentar.

Eu escolhi alguns autores que se destacaram nas diversas áreas do saber, não por uma predileção minha ou porque estes autores sejam os mais importantes, e sim porque, na minha pesquisa, encontrei pontos de convergência que me permitem chegar à conclusão que eu vou apresentar ao final.

No campo da Filosofia, por exemplo, eu quero trazer para análise a visão de um filósofo muito importante na época da Revolução científica, do Iluminismo, chamado René Descartes (filósofo e matemático francês, 1596-1650), em cujo livro “Meditações concernentes à Primeira Filosofia nas quais a existência de Deus e a distinção real entre a alma e o corpo do homem são demonstradas” (também chamado de Meditações metafísicas), de 1641, assim expôs:

 

“Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou toda a sua indústria em enganar-me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo absolutamente desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse meio, não está em meu poder chegar ao conhecimento de qualquer verdade, ao menos está ao meu alcance suspender meu juízo. Eis por que cuidarei zelosamente de não receber em minha crença nenhuma falsidade, e prepararei tão bem meu espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por poderoso e ardiloso que seja, nunca poderá impor-me algo.”

 

A partir daí, ele concluiu a célebre frase “Cogito ergo sum”, que significa “Penso logo existo”, porque ele dizia, neste texto, que, muitas vezes, as nossas impressões a respeito do mundo exterior são irreais, fruto de nossa imaginação, e que, portanto, a única coisa certa é o “ser pensante”.

No campo da Psicologia, eu separei um Psicólogo, considerado um dos pais da Psicologia experimental, chamado Wilhelm Wundt (médico, filósofo e psicólogo alemão, 1832-1920), segundo o qual “a percepção de um objeto da realidade é o produto da síntese composta pelos conteúdos da experiência imediata, isto é, o resultado de um processo ativo que organiza as informações provenientes dos elementos em um todo significativo”.

Veja que, enquanto René Descartes admite que, muitas vezes, a percepção não traduz a realidade, Wilhelm nos traz uma informação importante, de que a percepção não é apenas aquilo que eu tenho de contato com o mundo exterior, mas o produto decorrente das minhas experiências subjetivas a respeito daquilo que eu tive contato - por isso, eu expliquei, anteriormente, que “atenção” é diferente de “percepção”: a “atenção” tem relação com “manter o foco”; quando eu presto atenção na sinalização de trânsito, por exemplo, estou trazendo uma informação ao meu intelecto; como eu vou “perceber” esta sinalização decorre desta transformação interna que vai depender das minhas crenças, dos meus valores, do significado que eu dou àquilo, de qual é o meu objetivo frente a um grupo social onde eu vivo etc.

E, por falar em “significado”, outra área do saber que eu trouxe para análise é a Semiótica: o principal idealizador desta área de estudo (que visa entender o significado das coisas), conhecido como “pai da Semiótica”, é Charles Sanders Peirce (filósofo, pedagogista, cientista, linguista e matemático americano, 1839-1914), cujo pensamento pode ser sintetizado (para o nosso estudo) na seguinte frase: “O simples ato de olhar está carregado de interpretação”.

Charles explica que, na colocação de significados a respeito daquilo que nos cerca, nós temos três etapas: a Primeiridade, que é a existência da coisa em si, que independe do sujeito; a Secundidade, que é a percepção da coisa, a consciência da sua existência; e a Terceiridade, que é a efetiva apreensão daquela coisa, a reflexão e interação com aquele objeto.

Por exemplo, quando eu vejo um semáforo vermelho, há um significado por trás do equipamento: ele representa, naquele momento, uma ordem dada pelo Poder público - poderia ser, no lugar daquele semáforo, um agente de trânsito determinando a imobilização de veículos e a continuidade do tráfego no sentido perpendicular, propiciando ali uma mobilidade segura e eficiente - quando eu vejo este semáforo, eu trago para dentro de mim uma reflexão sobre o seu significado e como vou interagir com ele; para algumas pessoas, o semáforo pode ser um elemento visual que coloca ordem no trânsito; para outros, pode ser um objeto que atrapalha sua vida, que está lhe impedindo que ele chegue mais rápido ao seu destino; ou seja, a “percepção”, pelo ponto de vista da Semiótica, é diferente de pessoa para pessoa.

No estudo da Física, eu vou trazer um autor contemporâneo, não pela sua importância neste ramo do conhecimento, mas porque ele tem livros muito interessantes, fáceis de serem compreendidos e que aproveitarei para indicá-los: trata-se de Leonard Mlodinow, Doutor em Física pela Universidade da Califórnia, Berkeley, nos Estados Unidos, autor dos Livros “O andar do bêbado” e “Subliminar”.

Em “O andar do bêbado”, destaco o seguinte trecho:

 

“Nadar contra a corrente da intuição é uma tarefa difícil. Como veremos, a mente humana foi construída para identificar uma causa definida para cada acontecimento, podendo assim ter bastante dificuldade em aceitar a influência de fatores aleatórios ou não relacionados.

Portanto, o primeiro passo é percebermos que o êxito ou o fracasso podem não surgir de uma grande habilidade ou grande incompetência, e sim, como escreveu o economista Armen Alchian, de ‘circunstâncias fortuitas’.”

 

Talvez você já tenha se deparado com pessoas que acreditam piamente na sua habilidade de dirigir, a ponto de não aceitar que existe uma probabilidade de se envolver em ocorrência de trânsito; pessoas que, em baixa velocidade, não usam cinto de segurança porque acreditam que a força do seu braço será suficiente para que não seja projetado contra o vidro do veículo.

Nós temos, segundo o autor, uma dificuldade no funcionamento do nosso cérebro, para compreensão de probabilidades, frente a fatos que independem da nossa vontade.

Em uma das suas explicações, Mlodinow aponta que:

 

“O que é maior, o número de palavras de seis letras na língua inglesa que têm ‘n’ como sua quinta letra, ou o número de palavras de seis letras na língua inglesa que terminam em ‘ing’? A maior parte das pessoas escolhe o grupo terminado em ‘ing’. Por quê? Porque é mais fácil para elas pensar em palavras que terminam em ‘ing’ que em quaisquer palavras genéricas de seis letras que tenham ‘n’ como sua quinta letra. Mas não precisamos examinar o Dicionário Oxford – nem mesmo saber contar – para provar que esse palpite está errado: o grupo de palavras de seis letras que têm ‘n’ como sua quinta inclui todas as palavras de seis letras que terminam em ‘ing’. Os psicólogos chamam esse tipo de erro de viés de disponibilidade, porque ao reconstruirmos o passado damos uma importância injustificada às memórias mais vívidas, portanto mais disponíveis, mais fáceis de recordar.”

 

Se eu perguntar para você, por exemplo, em que situação é mais provável de termos uma morte no trânsito: “alguém que dirige o veículo sem usar cinto de segurança” ou “alguém que dirige o veículo sem usar cinto de segurança, em excesso de velocidade e sob influência de álcool”? A tendência natural do nosso cérebro é acreditar que a segunda alternativa é mais provável; entretanto, ela contempla os casos da primeira alternativa, os quais podem também estar presentes em várias outras situações, ou seja, é possível ter alguém que está, tão somente, sem cinto de segurança; ou alguém que está sem cinto e sob influência de álcool, ou sem cinto e em excesso de velocidade, ou alguém que está nas três condições, isto é, no campo das probabilidades, morre mais gente por conta de apenas uma dessas circunstâncias do que pelas três em conjunto, mas nós temos uma dificuldade para avaliar isso.

A mesma questão ocorre com (alguns) profissionais de Segurança Pública que utilizam como argumento para o não uso do cinto de segurança na viatura, o fato de que podem precisar descer rapidamente numa eventual ocorrência de disparo de arma, numa abordagem, numa situação em que ele necessita sacar a arma rapidamente, e o cinto pode ser prejudicial: se a gente for avaliar, no campo das probabilidades, realmente, em ambos os casos, existe uma probabilidade de que aconteça, mas é mais provável morrer porque não usou o cinto, do que por ter usado o cinto e não ter conseguido descer da viatura - este é um dos aspectos que eu sempre comentei nas minhas aulas para Policiais Militares no Estado de São Paulo e que eu noto que há uma dificuldade (por parte de alguns) de aceitação de que o cinto salva vidas, ou seja, como que eu percebo esse risco, como eu dou significado para esse risco, não é apenas saber da sua existência, nem ter conhecimento sobre a legislação de trânsito aplicável e quais são as consequências, mas como eu reajo frente àquela minha condição subjetiva.

Outro livro que recomendo, de Leonard Mlodinow, é o “Subliminar”, do qual destaco:

 

“Nosso cérebro subliminar é invisível para nós, porém influencia nossa experiência consciente do mundo de um modo fundamental – a maneira como nos vemos e aos outros, o significado que atribuímos aos eventos da nossa vida cotidiana, nossa capacidade de fazer julgamentos rápidos e tomar decisões que às vezes significam a diferença entre a vida e a morte, as ações que adotamos como resultado de todas essas experiências instintivas.”

 

Neste trecho do livro, o autor ressalta o quanto nossas escolhas, frequentemente, são baseadas em critérios que nós não percebemos, que são inconscientes (ele usa esse termo como sinônimo de “não estar, naquele momento, sendo avaliado, analisado, notado”).

Este livro é excepcional, pois traz vários exemplos, inclusive da área de Neuromarketing, de como, com frequência, somos induzidos a determinadas compras, a determinadas escolhas, por fatores que não percebemos, os quais também estarão presentes nas nossas escolhas relacionadas à segurança viária.

Outro campo de estudo que quero abordar, rapidamente, é a própria Psicologia do trânsito: o psicólogo canadense e pesquisador, Gerald Wilde, descreve a fundamentação da “Teoria da Compensação do Risco” (The theory of risk homeostasis), desenvolvida em 1982, no livro (traduzido para o português pelo psicólogo Reinier Rozestraten), denominado “O limite aceitável do risco” – há, inclusive, um texto bem interessante disponível no site da Perkons (em http://www.perkons.com.br/pt/noticia/1148/teoria-da-compensacao-do-risco), que, resumindo, traz a seguinte informação: “Quando há mudanças no ambiente do trânsito, visando melhorar a segurança, os usuários trocam o ganho de segurança por ganhos na mobilidade e/ou comodidade”.

Este pesquisador fez um teste, um experimento, com os taxistas de Munique na década de 1980 e notou que aqueles taxistas que dirigiam veículos com freios ABS se tornavam menos cautelosos e se arriscavam mais do que aqueles com veículos sem ABS, porque, segundo a teoria dele, existe um limite aceitável de todo ser humano e quando os fatores externos são favoráveis a melhorar a segurança, proporcionalmente, o comportamento se torna mais inseguro para chegar novamente aquele limite aceitável do risco, determinado individualmente pelo sujeito. Esta teoria é questionada por alguns, mas é importante que você saiba da sua existência, pois é uma das formas de se avaliar a percepção do risco.

Na Programação Neurolinguística, que eu, particularmente, gosto muito e tenho estudado há muitos anos, também encontraremos algumas explicações importantes sobre a percepção: esta área de estudo acerca do funcionamento do ser humano surgiu na década de 1970, pelo trabalho de dois norte-americanos, chamados Richard Bandler e John Grinder, e pode ser assim definida:

 

“Estudo da estrutura da experiência subjetiva do ser humano e o que se pode fazer com isso.” (Richard Bandler)

 

“Estratégia de aprendizagem acelerada para a detecção e utilização de padrões no mundo.”

(John Grinder)

 

A Programação Neurolinguística (ou simplesmente PNL) surgiu da aproximação com outras três áreas estudadas por estes precursores: a Hipnose (em especial por conta do médico hipnólogo norte-americano chamado Milton Erickson), a Terapia familiar (de Virgina Satir) e a Terapia de Gestalt (de Fritz Perls), que ofereceram subsídios para a detecção de determinados modelos de comportamento.

A PNL possui vários pressupostos e um deles é decorrente de uma frase utilizada, pela primeira vez, por Alfred Korzybski (engenheiro, filósofo e matemático polonês, 1879-1950), em um encontro da American Mathematical Society, em 1931: “O mapa não é o território”.

Basicamente, a frase quer dizer que cada um de nós tem uma experiência subjetiva a respeito das mesmas situações vivenciadas por outras pessoas, ou seja, o território é o que existe na realidade, mas cada um de nós tem um mapa (uma representação pessoal) do território. Se solicitarmos para um grupo de pessoas desenharem uma mesma região, onde moram, o bairro, ou o país, cada mapa será feito baseado na forma como a pessoa interpreta o que vê e como se relaciona com o mundo.

Outro aspecto da PNL interessante a ser destacado é o que se chama de “Níveis neurológicos”, de Robert Dilts: nós temos diversos níveis com os quais trabalhamos na nossa vida, em todos os aspectos, começando pelo ambiente, depois vem o comportamento, as capacidades, as crenças e valores, a identidade e, por último, a espiritualidade: tudo aquilo que nós vivemos e a maneira como agimos estará relacionado a estes níveis neurológicos (em algum ou alguns destes níveis), sendo que, quanto mais baixo estivermos nessa pirâmide que representa os níveis neurológicos (ambiente o mais baixo e espiritualidade o mais alto), mais fácil a alteração e, quanto mais acima, mais difícil a alteração daquilo que foi sendo construído ao longo do tempo e sedimentado pelos patamares mais baixos.

É fácil alterar o ambiente. Para quem trabalha, por exemplo, na formação de condutores, se um aluno fala que não consegue aprender daquela maneira ou naquele local, numa sala de aula sem ar condicionado ou sem fazer aula prática (apenas ouvindo a teoria), é fácil resolver, pois basta mudar o ambiente; por outro lado, se ele já possui crenças e valores que foram atribuídos por outras pessoas em toda a sua vida, de que é uma pessoa que “não tem condições de ser alguém”, que é “burro”, que “não serve para nada”, que “não vai ter futuro na vida”, e aquilo já se transformou para ele numa crença limitante, será um pouco mais difícil de ser resolvido, o que não significa que seja impossível, tendo em vista que existem ferramentas e padrões da PNL que podem ser utilizados para alterar o nível neurológico desejado.

 Desta forma, quanto mais alto o nível neurológico, mais difícil fica qualquer intervenção frente àquela pessoa e isso nos demonstra que a “percepção” nada mais é que a experiência subjetiva, ou seja, cada um tem uma percepção diferente a respeito dos riscos a que nós estamos todos envolvidos - determinadas pessoas vão se sentir bem, vão sentir prazer, através da produção de neurotransmissores, como a adrenalina, o cortisol, a noradrenalina, vão ter sensações que vão fazer com que ele queira cada vez mais dirigir em alta velocidade ou praticar racha – neste caso, a pessoa sabe dos riscos, sabe que não pode, sabe quais são as consequências, mas a forma como ele lida com aquele risco internamente é baseada em determinados critérios que vão refletir nas suas escolhas.

Veja que, nestas várias áreas do saber que eu fui pontuando, nós vemos que, em todas elas, a percepção do risco (ou de qualquer outro evento externo) vai ser diferente de pessoa para pessoa e não é apenas sinônimo de “ter conhecimento” ou “ter ciência” do risco.

 

Concluindo:

Desde o início, eu expliquei que “atenção é diferente de percepção” e que o CTB determina que a pessoa tenha uma atenção voltada à segurança do trânsito; destarte, em um primeiro momento, é isso que se espera do motorista (ATENÇÃO), para que ele tenha um comportamento seguro, e este é o objetivo final.

Para que se chegue a este objetivo, penso que teríamos que atender a uma sequência:

1. Atenção voltada à segurança do trânsito;

2. Percepção baseada em bons valores;

3. Motivação para hábitos seguros; e

4. Mudança do comportamento.

A atenção, muitas vezes, não é voltada aos fatores que realmente importam (como vimos, na campanha publicitária inglesa). A PNL, inclusive, explica que tudo que a gente faz compõe-se de algumas tarefas automatizadas por causa da criação de sinapses entre os nossos neurônios e isso faz com que a gente passe a dar atenção àquelas atitudes que não estão automatizadas. Quando a pessoa está aprendendo a dirigir, precisa prestar atenção nos comandos do veículo, mas depois que já sabe dirigir, ela consegue prestar atenção em outras coisas, porque os comandos do veículo ela já tem pleno domínio; e isto faz com que, se ela não tiver adquirido hábitos seguros, não terá isso como uma constante na sua vida.

Quando eu menciono que a “percepção” deve se dar baseada em bons valores, importante destacar que ser “bom” ou “mau” é uma referência interna e também vai variar de pessoa para pessoa, mas eu me refiro a “bons valores”, no sentido de “convivência em sociedade”. O filósofo Imanuel Kant, em seu imperativo categórico, dizia o seguinte: “Age de tal forma que seu comportamento possa se transformar em lei universal”, ou, como nós ouvimos desde criança, “faça aos outros aquilo que você queira que façam para você mesmo”; portanto, quando eu aponto a necessidade de que a percepção seja baseada em bons valores, é com o objetivo de que seja construída uma experiência subjetiva, a partir de crenças e valores, com a preocupação voltada à boa convivência social, para que realmente a gente tenha um trânsito com menos mortos e feridos em nossa sociedade.

A terceira etapa, voltada à construção de hábitos seguros, depende muito da MOTIVAÇÃO que cada pessoa possui: o que motiva cada um para adotar um comportamento seguro no trânsito? Há aqueles que mudam seu comportamento por medo da punição, de ficar preso, ser multado ou suspenso do direito de dirigir; outros mudam porque perderam um ente querido ou quase morreram no trânsito; alguns mudam porque começaram a exercer uma atividade profissional na área de trânsito e viram a necessidade de ser um exemplo, isto é, cada um tem uma motivação específica.

Eu já fiz esta provocação, em algumas das minhas palestras: ao final, pergunto à plateia o seguinte: “Se você soubesse que estaria sujeito a morrer nos próximos dias no trânsito, o que mudaria no seu comportamento para que a tragédia não acontecesse?” É a vontade de viver mais um pouco? Ou a vontade de poder criar seus filhos? Ou poder fazer aquilo que você ainda não fez?

Porque tem gente que não vai ter nenhuma motivação para mudar, mesmo que ele tenha conhecimento e que entenda que está diante de um risco, porque a motivação para ele é diferente da motivação que nós gostaríamos que tivesse.

Neste aspecto, quero destacar uma frase que, muitas vezes, é atribuída ao filósofo Aristóteles, do século IV antes de Cristo, mas que foi escrita por um filósofo contemporâneo norte-americano, chamado Will Durant (embora o tenha escrito com referência ao pensamento aristotélico): “Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito”.

Enfim, segurança no trânsito depende desta atenção ao trânsito seguro, percepção baseada em bons valores, motivação para hábitos seguros e, efetivamente, mudança de comportamento, para se tornar algo constante.

Desta forma, quero mais uma vez parabenizar o Observatório Nacional de Segurança Viária pelo tema idealizado, juntamente com o Denatran, que abraçou a ideia já há alguns anos, e propor a você uma reflexão sobre as duas frases que compõem o tema do Maio Amarelo, pois não é apenas “Perceba o risco”, mas sim uma sequência de ações: “Perceba risco E Proteja a vida” - não adianta eu saber que o risco existe e conhecer quais são as consequências daquele risco, mas devo adotar internamente uma representação baseada em valores de convivência social, que me induzam a uma mudança de comportamento, para que as pessoas com quem eu convivo, mesmo que sejam pessoas que eu nem mesmo conheço, tenham o mesmo direito que eu gostaria de ter: uma vida saudável no trânsito e uma segurança para nossa mobilidade urbana.

 

São Paulo, 05 de maio de 2020.

 

 

JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Consultor e Professor de Legislação de trânsito, com experiência profissional na área de policiamento de trânsito urbano de 1996 a 2019, atualmente Major da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo; Conselheiro do CETRAN/SP desde 2003; Membro da Câmara Temática de Esforço Legal do Conselho Nacional de Trânsito (2019/2021); Mestre em Direito do Estado, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, e em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, pelo Centro de Altos Estudos de Segurança da PMESP; Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Coordenador de Cursos, Palestrante e Autor de livros e artigos sobre trânsito.

 

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