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Art. 280 - Curso de formação de agentes de trânsito, por Julyver Modesto de Araujo

O agente da autoridade de trânsito, conforme previsto no Anexo I do Código de Trânsito Brasileiro, é a “pessoa, civil ou policial militar, credenciada pela autoridade de trânsito para o exercício das atividades de fiscalização, operação, policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento”, sendo importante ressaltar que, por definições próprias de cada uma destas atividades, o policiamento ostensivo de trânsito e o patrulhamento são denominações das atribuições específicas, respectivamente, das Polícias Militares e da Polícia Rodoviária Federal.

Assim, o civil credenciado como agente da autoridade de trânsito desempenha, basicamente, dois tipos de atividades: FISCALIZAÇÃO (controle do cumprimento das normas de trânsito) e OPERAÇÃO (monitoramento técnico da via), o que, por certo, exige um treinamento específico, que contemple todas as variáveis necessárias para o exercício pleno destas atribuições, a começar pelo conhecimento aprofundado da legislação aplicável à utilização da via pública (que sabemos ser complexa e dinâmica, com alterações muito frequentes).

Antes de tratar do Curso, porém, quero aproveitar para explanar o seguinte: diferentemente do que se pode imaginar, este civil não pode ser qualquer pessoa, havendo a necessidade de se ter um vínculo com a Administração Pública que o legitime como seu representante, o que se depreende da leitura do § 4º do artigo 280 do CTB, segundo o qual “o agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência”.

Cabe destacar, também, que não basta que seja um servidor público (ocupante de um CARGO ou de um EMPREGO público, sob o regime de um ESTATUTO – estatutário – ou da CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO – celetista) para que se “designe” alguém como agente da autoridade de trânsito, já que a Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso II, estabelece que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público.

O correto, destarte, é que, independente da denominação profissional utilizada pelo órgão ou entidade executivo de trânsito ou rodoviário – agente de trânsito, agente de transportes, agente de fiscalização, fiscal de trânsito, agente de mobilidade urbana, guarda de trânsito etc – haja a previsão expressa, dentro da organização administrativa, do cargo ou emprego a ser ocupado, cujas funções deverão estar descritas, inclusive, no respectivo edital do concurso público, sendo irregular qualquer outra forma de contratação de pessoas para serem agentes da autoridade de trânsito, que não por meio do necessário certame, como, por exemplo, mediante a simples “designação, por Decreto ou Portaria”, de servidores que prestaram concurso para outro cargo ou emprego.

Aliás, até mesmo a estruturação da carreira de “agente de trânsito” passou a ser norma constitucional, decorrente do inciso II do § 10 do artigo 144 da CF/88, incluído pela Emenda Constitucional n. 82/14.

As únicas carreiras que possuem outras funções específicas e também podem receber a incumbência de serem agentes da autoridade de trânsito são as autorizadas pela própria LEI: Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais (artigo 20 do CTB); Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal, quando e conforme convênio firmado (artigo 23, inciso III, do CTB) e, mais recentemente, as Guardas Municipais, se lhes forem conferidas as competências de órgão municipal de trânsito, ou conforme convênio com os órgãos já existentes (artigo 5º, inciso VI, da Lei n. 13.022/14).

Embora seja possível traçar tais diretrizes, do ponto de vista jurídico, para que uma pessoa, civil ou policial militar, seja “credenciado” como agente da autoridade de trânsito, um SÉRIO problema que tínhamos até o presente momento era a falta de padronização de uma formação mínima para que este profissional viesse a exercer as atribuições que lhe competem.

Não obstante a existência de disciplinas relacionadas à FISCALIZAÇÃO e OPERAÇÃO de trânsito, nos Cursos de formação da Polícia Rodoviária Federal, das Polícias Militares e das Guardas Municipais, inexistia um parâmetro para os órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito, dependendo, única e exclusivamente, do interesse de cada gestor, na correta e satisfatória capacitação de seus colaboradores, havendo casos, infelizmente, de agentes de trânsito que iniciavam seu labor sem qualquer tipo de Curso específico para o desempenho das suas funções.

O Departamento Nacional de Trânsito chegou, há algum tempo, a estabelecer um conteúdo programático RECOMENDÁVEL, a partir do qual se permitia que fossem contratados docentes, pelo próprio órgão ou entidade de trânsito, sendo necessária a aprovação prévia do currículo pelo Denatran, o qual também enviava material didático específico e, ao final do Curso, aplicava avaliação de aprendizagem, para a emissão de certificado.

Apesar de muito produtiva, a experiência foi adotada por breve período, sem continuidade.

No final deste ano em diante, a situação passará a ser diferente, pois, enfim, foi regulamentado o CURSO DE AGENTE DE TRÂNSITO, por meio da Portaria do Departamento Nacional de Trânsito n. 94/17, Diário Oficial da União de 02JUN17, em vigor após 180 dias de sua publicação (ou seja, a partir de 29NOV17).

Os requisitos para matrícula remetem às expressões utilizadas no § 4º do artigo 280: ser servidor público (celetista ou estatutário) ou policial militar, indicado pelo órgão com circunscrição sobre a via, no âmbito de sua competência. Meu posicionamento, contudo, de acordo com as explicações já apresentadas, é que não basta ser um SERVIDOR, mas deve ocupar um CARGO ou EMPREGO, mediante aprovação em concurso público, que tenha, como uma de suas atribuições, exercer a função de agente da autoridade de trânsito.

O Curso, com carga horária MÍNIMA de 200 h/a, deverá ser ministrado por órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito ou por Instituições devidamente autorizadas e credenciadas (embora ainda não tenham sido publicados os critérios de credenciamento, o que deve ocorrer por meio de outro ato normativo, conforme se presume do artigo 4º da Portaria: “Ficam reconhecidos outros cursos de formação de agente de trânsito concluídos até 180 (cento e oitenta) dias após o Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN dar publicidade aos critérios e procedimentos para autorização e credenciamento das instituições” – isto é, SERÁ dada publicidade aos critérios e procedimentos para autorização e credenciamento das instituições e, após isso, ainda serão reconhecidos outros cursos que sejam concluídos em até 180 dias depois).

Além da formação, os agentes serão obrigados a fazerem o Curso de atualização a cada três anos, com carga horária de 32 h/a.

Uma questão interessante é que não ficou consignado de forma cristalina, nesta Portaria, se, para os profissionais que já atuam na área, será obrigatória a realização do Curso de FORMAÇÃO, nos termos padronizados, ou somente de ATUALIZAÇÃO, reconhecendo-se eventuais capacitações já realizadas anteriormente; não obstante, é possível presumir que se exija tão somente a atualização, a cada três anos, por um princípio lógico: se, após os critérios de credenciamento de instituições, ainda serão reconhecidos os outros cursos concluídos em até 180 dias, não há por que se negar validade às formações realizadas até hoje, independente da sua formatação.

As matérias mínimas exigidas na formação serão divididas nos seguintes módulos:

I) Legislação de trânsito (40 h/a);

II) Engenharia de Tráfego e Sinalização da via (20 h/a);

III) Legislação de trânsito aplicada (48 h/a);

IV) Ética e Cidadania (08 h/a);

V) Psicologia aplicada (12 h/a);

VI) O papel educador do agente (08 h/a);

VII) Língua portuguesa (08 h/a);

VIII) Operação e Fiscalização de Trânsito (16 h/a); e

IX) Prática operacional (40 h/a).

A carga horária diária deve ser de, no máximo, 08 horas/aula por dia, com período de 50 minutos cada h/a e total de carga horária presencial obrigatória de 116 h/a, tendo em vista que os módulos I (Legislação de trânsito), II (Engenharia e Sinalização), IV (Ética e Cidadania), VI (O papel educador do agente) e VII (Língua Portuguesa) poderão ser realizados na modalidade à distância (total de 84 h/a); ressalta-se, todavia, que não foram estabelecidos os critérios relativos à plataforma de ensino a ser utilizada.

O conteúdo programático bem como a carga horária poderão ser acrescidos com o objetivo de atender as necessidades específicas do órgão com circunscrição sobre a via.

No Curso de atualização, não se menciona a possibilidade (ou não) de se realizar parte do  conteúdo à distância, sendo previstas as seguintes matérias: I) Legislação de trânsito aplicada (12 h/a); II) Ética e Cidadania (04 h/a); e III) Operação e Fiscalização de Trânsito (16 h/a) – nota-se que, se seguir a regra da formação, somente o segundo módulo, com 04 h/a, é que poderia ser realizado à distância.

A frequência mínima é de 75% em cada um dos módulos e a aprovação depende de aproveitamento mínimo de 70% em prova a ser realizada, com os conteúdos trabalhados em cada módulo. Nos Cursos de atualização, a avaliação deve ser feita por observação direta e constante do desempenho dos alunos, com atribuição de nota ao final do Curso.

O corpo docente do Curso deve ser formado por no mínimo 70% de profissionais que tenham formação SUPERIOR e experiência na área afim aos conteúdos curriculares.

Vale lembrar que o dinheiro arrecadado com multas de trânsito pode ser utilizado para o custeio destes Cursos, conforme Resolução do Contran n. 638/16, a qual dispõe sobre as formas de aplicação desta receita, conforme previsto no caput do artigo 320 do CTB, que limita a sua utilização exclusivamente no trânsito.

No artigo 10, inciso I, desta Resolução, considera-se elemento de despesa com policiamento e fiscalização a “capacitação de autoridades, de agentes de trânsito e agente de autoridade de trânsito” e no artigo 12, inciso IX, entende-se como elemento de despesa com educação de trânsito a realização de “cursos de qualificação para profissionais dos órgãos de trânsito”.

Creio que a padronização proposta será um grande avanço para a melhoria do Sistema Nacional de Trânsito, a partir da exigência de uma qualificação mínima para os profissionais responsáveis por lidar diretamente com o usuário da via pública. Destaco, apenas, que não foram previstas, expressamente, quais serão as consequências para os órgãos e entidades de trânsito que não cumprirem com a regulamentação que entrará brevemente em vigor, o que suscitará diversos questionamentos, inclusive contrários à aplicação das multas de trânsito decorrentes de autuações lavradas por agentes de trânsito sem a formação mínima obrigatória.

 

São Paulo, 20 de junho de 2017.

 

JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP; Mestre em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança (SP); Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, com atuação no policiamento de trânsito, desde 1996, e atual Comandante da Companhia Tática do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do Centro de Estudos Avançados e Treinamento / Trânsito - CEAT; Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003; Integrante do Fórum Consultivo do Sistema Nacional de Trânsito, sendo representante dos CETRANS da região sudeste por dois mandatos consecutivos e, atualmente, representante das Polícias Militares da região sudeste; Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN; Autor de livros e artigos sobre trânsito.

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