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Art. 281 - Necessidade da abordagem do agente de trânsito no momento da fiscalização, por Julyver Modesto de Araujo

    O artigo 280 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que “Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará...”, sendo estabelecidos, nos incisos deste dispositivo legal, quais são os dados mínimos da autuação, entre os quais o prontuário do condutor (número de registro da habilitação) e a sua assinatura, sempre que possível (incisos IV e VI), o que demonstra que não se tratam de elementos obrigatórios para a consistência do ato administrativo que, posteriormente, acarretará a imposição da penalidade de multa de trânsito.
    Não obstante esta constatação inicial, é muito comum o questionamento sobre a necessidade ou não de abordagem do agente de trânsito, no momento da fiscalização, para que possa ser elaborada uma autuação de trânsito, em especial quando a infração cometida ensejar a aplicação de alguma medida administrativa complementar, como a retenção ou remoção do veículo.
    O próprio artigo 280, em seu § 3º, nos dá uma primeira resposta, ao prever que “Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte” (obs.: os incisos I, II e III são: “tipificação da infração”, “local, data e hora do cometimento da infração” e “caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação”; o artigo seguinte – 281 – trata da análise da consistência do auto de infração e aplicação da penalidade cabível).
    O flagrante da conduta infracional de trânsito tem sido interpretado (inclusive pelo Conselho Nacional de Trânsito, como se verá a seguir) como sinônimo de abordagem, de forma distinta do flagrante para fins penais, que consta do artigo 301 do Código de Processo Penal (“Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”).
    Sendo o flagrante do artigo 280, § 3º, sinônimo de abordagem, vemos que esta é a regra e a não abordagem constitui a exceção; isto porque a redação de tal dispositivo inicia asseverando que “não sendo possível a autuação em flagrante...”, ou seja, presume-se que a autuação sem abordagem deve ser realizada somente quando houver alguma impossibilidade, o que deve ser devidamente relatado pelo agente de trânsito à autoridade, no próprio auto de infração (em outras palavras, deve ser anotado, no campo de observações da autuação, o motivo pelo qual a abordagem não foi realizada).
    Apesar de ser possível tal conclusão, há a necessidade de se avaliar se a não abordagem (sem que tenha sido justificada a impossibilidade) constitui (ou não) motivação suficiente para o arquivamento do auto de infração e não aplicação da multa respectiva (pela autoridade de trânsito) ou para o cancelamento da multa decorrente do auto de infração lavrado pelo agente de trânsito, em sede de recurso administrativo, em 1ª ou 2ª instâncias.
    O Departamento Nacional de Trânsito chegou, inclusive, a editar Parecer específico para a infração de “não uso do cinto de segurança”, com o posicionamento (questionável) de que a ausência de abordagem acarretaria a nulidade da multa aplicada (Parecer n. 11/99), em especial pelo fato de não ter sido aplicada a retenção do veículo até a colocação do cinto pelo infrator, como determina a medida administrativa do artigo 167 do CTB; todavia, no ano seguinte, decidiu rever o entendimento anterior e fixou conclusão de que a abordagem, embora regra, é desnecessária para registrar a infração e possibilitar a imposição da sanção administrativa ao infrator (Parecer n. 44/00).
    Aliás, cabe ponderar que, mesmo quando prevista alguma medida administrativa para determinada infração de trânsito, não é possível dizer que a sua ausência, por qualquer motivo que seja, constitua óbice para a aplicação da penalidade principal que é a multa de trânsito. Esta é, exatamente, a redação do artigo 269, § 2º, do CTB: “As medidas administrativas previstas neste artigo não elidem a aplicação das penalidades impostas por infrações estabelecidas neste Código, possuindo caráter complementar a estas” (‘não elidem’ significa ‘não impedem’, ‘não obstam’), condição reforçada, inclusive, pelo Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito - MBFT, instituído pela Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 371/10.
    Neste sentido, além de estabelecer tal regra em suas disposições gerais, o MBFT cuidou de prescrever, para cada infração de trânsito, se a abordagem do veículo é obrigatória para que se elabore o auto de infração, se é possível autuar sem abordagem, ou, ainda, se a abordagem depende de cada caso. De uma maneira geral, verificamos que as fichas de enquadramento constantes do MBFT possuem a informação quanto à abordagem condicionadas à seguinte verificação: se, para a constatação da infração de trânsito, for necessário imobilizar o veículo, para observação mais completa do agente de trânsito, haverá a obrigatoriedade da abordagem; caso contrário, se for possível ter convicção de que a infração aconteceu, mesmo sem abordagem, esta passa a ser dispensável (importante observar que tal regulamentação é bem mais ampla do que se estabeleceu no § 3º do artigo 280 do CTB, chegando a relegar a abordagem para segundo plano, e não como a regra mencionada anteriormente).
    No caso do “não uso do cinto de segurança” (artigo 167 do CTB), por exemplo, entende o Contran que é possível autuar o veículo infrator sem que se realize a abordagem, exceto quando se tratar de veículos fabricados até 1984, tendo em vista a existência de cinto subabdominal, o que exigirá a verificação do cinto, com o veículo imobilizado.
    Outro exemplo interessante é a infração de trânsito do artigo 168 do CTB, por “transportar crianças sem observância das normas de segurança estabelecidas no Código”, em que o Contran considera possível autuar, sem abordagem, no caso de uma criança transportada no colo do passageiro, mas, em contrapartida, obriga a imobilização do veículo para se constatar a idade da criança, quando a motivação da autuação for decorrente do transporte de menores de 10 anos no banco dianteiro.
    Concluindo: com a publicação do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, pelo Conselho Nacional de Trânsito, a abordagem do veículo infrator, para elaboração da autuação, passou a ser obrigatória somente nos casos em que for indispensável para que o agente tenha a convicção de que a infração de trânsito realmente aconteceu, conforme informações específicas em cada ficha de enquadramento do MBFT. Nos casos em que for possível visualizar a infração de trânsito, com o veículo em movimento, deixa de ser obrigatória a sua abordagem, ainda que seja prevista alguma outra medida administrativa, a qual é considerada como um complemento da penalidade principal, que é a multa de trânsito.
 
 
São Paulo, 10 de abril de 2015.
 
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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