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Art. 181 - Regulamentação e fiscalização do transporte de passageiros, por Julyver Modesto de Araujo

    A legislação de trânsito e a de transporte, no Brasil, possuem determinadas áreas de convergência, a começar pela competência legislativa, privativa da União, sobre a matéria (artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal); entretanto, na área de transporte de passageiros, a própria Constituição estabelece competências específicas nos três níveis de Governo (União, Estados e Municípios).
    Assim, enquanto a legislação de trânsito é única para todo o país, sem a possibilidade de leis suplementares estaduais (como ocorria na Constituição de 1969), exceto se houver lei complementar nesse sentido, no caso da legislação de transporte de passageiros, tanto a regulamentação quanto a fiscalização dependem não só de legislação federal, mas principalmente da atuação da Administração pública estadual e municipal, conforme as competências constitucionais atribuídas aos entes federativos. Isto porque, apesar da legislação federal sobre o tema, a depender da área em que o transporte será realizado (dentro ou fora do Município; dentro ou fora do Estado), existirá atribuição diferenciada para a prestação do serviço (e, consequentemente, a necessidade de se estabelecer regras para a sua execução, bem como a fiscalização decorrente).
    Desta forma, compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (artigo 21, inciso XII, alínea ‘e’ da CF/88) e aos Municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial (artigo 30, inciso V, da CF/88).
    No caso dos Estados, a competência é residual, tendo em vista que o artigo 25, § 1º, da CF/88, prescreve que São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição, de onde se depreende que, no quesito ‘transporte coletivo de passageiros’, por exclusão das atribuições municipais e federal, caberá aos Estados a exploração, direta ou mediante licitação, do serviço de transporte rodoviário intermunicipal (neste sentido, tem se posicionado o Supremo Tribunal Federal, por exemplo: ADI 903/MG, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 14/10/93; ADI 1191/PI, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 23/03/95; ADI 2349/ES, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 31/08/05; ADI 845/AP, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 22/11/07). 
    Embora não tenha sido expressa tal atribuição estadual na Lei máxima brasileira, havendo a necessidade de se adotar esta interpretação da competência residual, ressalta-se que as Constituições estaduais podem, muito bem, suplantar esta lacuna legislativa, para que não haja dúvidas (apesar do posicionamento pacífico da doutrina e jurisprudência), como ocorre, por exemplo, no Estado de São Paulo, em que a Constituição estadual assim estabelece: Em região metropolitana ou aglomeração urbana, o planejamento de transporte coletivo de caráter regional será efetuado pelo Estado, em conjunto com os municípios integrantes das respectivas entidades regionais (artigo 158, caput) e Caberá ao Estado a operação de transporte coletivo de caráter regional, diretamente ou sob concessão ou permissão (artigo 158, parágrafo único).
    No âmbito federal, atualmente, o assunto é regulado pela Lei n. 10.233/01, que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes. Em seu artigo 22, inciso III e § 2º, estabelece, como esfera de atuação da ANTT, o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, devendo harmonizar suas ações com os órgãos estaduais e municipais encarregados do gerenciamento de seus sistemas viários e das operações de transporte intermunicipal e urbano (os quais possuem normas locais próprias).
    Diante desta explicação introdutória, verificamos que a regulamentação e fiscalização do transporte coletivo de passageiros dependerão da área em que o transporte se realiza, ficando a cargo da União (interestadual e internacional), dos Estados (intermunicipal) e dos Municípios (urbano). As regras para a prestação deste serviço, bem como as penalidades decorrentes de descumprimento das normas impostas, são específicas da área de transporte e não se confundem com a aplicação da legislação de trânsito, havendo a necessidade de estruturação de órgão específico para tal gestão (seja Agência reguladora, Secretaria de governo ou qualquer outro órgão ou entidade pertencente à Administração pública). 
    Destarte, os fiscais de transporte são funcionários encarregados, especificamente, da verificação do cumprimento destas normas próprias (não havendo, entretanto, óbice para que determinado servidor público seja, ao mesmo tempo, fiscal de transporte e agente de trânsito do município, desde que o cargo ou emprego ocupado contemple, taxativamente, tais funções, a começar pelo Edital de concurso público, nos termos do artigo 37, inciso II, da CF/88).
    Quando um veículo de transporte coletivo de passageiros presta o serviço de forma irregular (seja porque não possui a devida autorização do poder concedente ou porque exerce em desconformidade com regras da concessão), estará sujeito às sanções da legislação de transporte, o que não elide, todavia, a aplicação de multa de trânsito pelo transporte remunerado irregular (quando o veículo não é registrado na categoria aluguel e/ou não possui autorização para o transporte), esta sim prevista no Código de Trânsito Brasileiro (artigo 231, inciso VIII).
    Finalmente, preservando-se as particularidades da legislação específica de transporte, prevê a legislação de trânsito, além da infração mencionada, determinadas regras a serem cumpridas pelos veículos utilizados na prestação deste serviço, as quais podemos agrupar em três áreas: I) requisitos de segurança; II) exigências para o condutor; e III) normas gerais de circulação e infrações de trânsito relacionadas:
 
I) Requisitos de segurança
    O artigo 107 do Código de Trânsito Brasileiro estabelece que Os veículos de aluguel, destinados ao transporte individual ou coletivo de passageiros, deverão satisfazer, além das exigências previstas neste Código, às condições técnicas e aos requisitos de segurança, higiene e conforto estabelecidos pelo poder competente para autorizar, permitir ou conceder a exploração dessa atividade.
    Os requisitos específicos de segurança para veículos de transporte coletivo eram previstos na Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 811/96, atualmente substituída pelas Resoluções n. 416/12 (alterada pela 505/14) e 445/13, as quais contemplam regras específicas conforme a categoria do veículo (M2 e M3), e se baseiam em normas técnicas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (com destaque para a NBR n. 15.570).
    As categorias M2 e M3 são definidas em norma metrológica, sob responsabilidade do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO (Portaria n. 30/04), na seguinte conformidade:
- M2: veículo rodoviário automotor com mais de 8 (oito) lugares, além do lugar do condutor, e com Peso Bruto Total menor ou igual a 5.000 kg; e
- M3: veículo rodoviário automotor com mais de 8 (oito) lugares, além do lugar do condutor, e com Peso Bruto Total maior que 5.000 kg.
    Também existem normas voltadas à acessibilidade para os veículos de transporte coletivo, a fim de atender padrões internacionais que propiciem maior conforto e segurança às pessoas com deficiência (Resolução do Contran n. 402/12, com alterações da 469/13).
 
II) Exigências para o condutor
    Além da categoria de habilitação ‘D’, necessária à condução de veículos com capacidade superior a 8 lugares (mais o motorista), prevê o artigo 145 do CTB, que, para conduzir veículo de transporte coletivo de passageiros, o candidato deverá preencher os seguintes requisitos:
- ser maior de vinte e um anos;
- não ter cometido nenhuma infração grave ou gravíssima ou ser reincidente em infrações médias durante os últimos doze meses;
- ser aprovado em curso especializado e em curso de treinamento de prática veicular em situação de risco, nos termos da normatização do Contran (constante da Resolução n. 168/04 e suas alterações posteriores).
 
III) Normas gerais de circulação e conduta e infrações próprias
    Encontramos, no CTB, as seguintes disposições sobre os veículos de transporte coletivo de passageiros:
 
Art. 31. O condutor que tenha o propósito de ultrapassar um veículo de transporte coletivo que esteja parado, efetuando embarque ou desembarque de passageiros, deverá reduzir a velocidade, dirigindo com atenção redobrada ou parar o veículo com vistas à segurança dos pedestres.
 
Art. 40, Parágrafo único. Os veículos de transporte coletivo regular de passageiros, quando circularem em faixas próprias a eles destinadas, e os ciclos motorizados deverão utilizar-se de farol de luz baixa durante o dia e a noite.
 
Art. 108. Onde não houver linha regular de ônibus, a autoridade com circunscrição sobre a via poderá autorizar, a título precário, o transporte de passageiros em veículo de carga ou misto, desde que obedecidas as condições de segurança estabelecidas neste Código e pelo Contran.
Parágrafo único - A autorização citada no caput não poderá exceder a doze meses, prazo a partir do qual a autoridade pública responsável deverá implantar o serviço regular de transporte coletivo de passageiros, em conformidade com a legislação pertinente e com os dispositivos deste Código.
 
Obs.: A autorização precária, para suprir a ausência de transporte regular de ônibus, encontra-se regulamentada pela Resolução n. 508/14.
 
Art. 117. Os veículos de transporte de carga e os coletivos de passageiros deverão conter, em local facilmente visível, a inscrição indicativa de sua tara, do peso bruto total (PBT), do peso bruto total combinado (PBTC) ou capacidade máxima de tração (CMT) e de sua lotação, vedado o uso em desacordo com sua classificação.
 
Obs.: A inscrição de pesos e capacidades encontra-se prevista na Resolução n. 290/08.
 
Art. 135. Os veículos de aluguel, destinados ao transporte individual ou coletivo de passageiros de linhas regulares ou empregados em qualquer serviço remunerado, para registro, licenciamento e respectivo emplacamento de característica comercial, deverão estar devidamente autorizados pelo poder público concedente.
 
Art. 181, XIII. Estacionar o veículo onde houver sinalização horizontal delimitadora de ponto de embarque ou desembarque de passageiros de transporte coletivo ou, na inexistência desta sinalização, no intervalo compreendido entre dez metros antes e depois do marco do ponto: 
Infração - média.
Penalidade - multa.
Medida administrativa - remoção do veículo.
 
Art. 200. Ultrapassar pela direita veículo de transporte coletivo ou de escolares, parado para embarque ou desembarque de passageiros, salvo quando houver refúgio de segurança para o pedestre:
Infração - gravíssima.
Penalidade - multa.
 
Art. 250, I, c). Quando o veículo estiver em movimento deixar de manter acesa a luz baixa de dia e de noite, tratando-se de veículo de transporte coletivo de passageiros, circulando em faixas ou pistas a eles destinadas:
Infração - média.
Penalidade - multa.
 
Art. 270, § 5º. A critério do agente, não se dará a retenção imediata, quando se tratar de veículo de transporte coletivo transportando passageiros ou veículo transportando produto perigoso ou perecível, desde que ofereça condições de segurança para circulação em via pública.
 
Art. 329. Os condutores dos veículos de que tratam os artigos 135 e 136, para exercerem suas atividades, deverão apresentar, previamente, certidão negativa do registro de distribuição criminal relativamente aos crimes de homicídio, roubo, estupro e corrupção de menores, renovável a cada cinco anos, junto ao órgão responsável pela respectiva concessão ou autorização.
 
    Para o transporte coletivo de passageiros em viagem internacional pelo território nacional, também há regulamentação própria sobre o uso de dispositivos retrorrefletivos de segurança e limites de pesos e dimensões (respectivamente, Resoluções do Contran n. 317/09 e 318/09).
    Concluindo: o Código de Trânsito Brasileiro estabelece normas gerais para o transporte coletivo de passageiros, voltadas aos requisitos de segurança do veículo, exigências para o condutor e algumas regras próprias, para utilização da via pública; porém, a regulamentação e fiscalização em relação à prestação deste serviço público ficam a cargo dos Municípios, Estados e União, a depender da região em que ocorre.
 
São Paulo, 10 de fevereiro de 2015.
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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