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Art. 258 - Recursos de infrações de trânsito, por Julyver Modesto de Araujo

    O condutor que comete infrações de trânsito está sujeito às sanções administrativas previstas no Código de Trânsito Brasileiro, das quais se destaca a mais comum delas, aplicável a todas as infrações: a MULTA, penalidade pecuniária constante do artigo 256, inciso II, do CTB e cujos valores dependem da gravidade da conduta infracional, nos termos dos artigos 258 e 259.
    A imposição da multa, entretanto, não é automática, a partir da constatação da infração, pelo competente agente de trânsito; na verdade, o que este servidor faz é apenas a lavratura do auto de infração, para informar à autoridade de trânsito (dirigente do órgão ou entidade executivo de trânsito ou rodoviário), sobre o fato observado, a fim de que seja aplicada a penalidade cabível.
    O roteiro para que isso se desenvolva, bem como seja garantido, ao condutor, o seu direito de defesa, encontra regulamentação no Capítulo XVIII do CTB e Resolução do Conselho Nacional de Trânsito n. 404/12, conforme resumiremos a seguir.
    É de se ressaltar, inicialmente, que o exercício do contraditório (possibilidade de dizer o contrário do que se é acusado) e a garantia de ampla defesa constituem, inclusive, direitos constitucionais, consagrados no artigo 5°, inciso LV, da Constituição Federal/88.
    Para melhor compreensão do processo administrativo de trânsito, dividiremos, didaticamente, em três etapas principais, sob a óptica das ações a serem desenvolvidas pelo órgão de trânsito responsável pela imposição da multa, a partir do que serão abordados os direitos recursais do condutor apenado. 
 
I) Autuação
    O artigo 280 do CTB prevê que "Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração...", o que denota a obrigatoriedade do agente de trânsito, em registrar os fatos por ele observados, caracterizando um exemplo de ato administrativo vinculado (que não permite liberdade de escolha ou juízo de valor pelo agente público).
    Para validade formal deste documento, o auto de infração deve conter determinados dados mínimos, constantes dos incisos do artigo 280: I) tipificação da infração; II) local, data e hora do cometimento da infração; III) caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação; IV) o prontuário do condutor, sempre que possível; V) identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração; e VI) assinatura do infrator, valendo esta como notificação do cometimento da infração.
    Além destes requisitos obrigatórios, há que se observar a padronização do auto de infração, para todos os órgãos e entidades de trânsito, prevista na Portaria do Departamento Nacional de Trânsito n. 59/07, a qual estabelece campos que são exigidos no formulário, bem como quais são aqueles cujo preenchimento é indispensável. Algumas informações, por exemplo, não são obrigatórias no auto de infração, como o modelo e a cor do veículo.
    A inobservância destas prescrições constitui argumento recursal importante e, por ser erro formal, deve acarretar o cancelamento da penalidade aplicada, com o consequente deferimento do recurso pelo órgão julgador, mesmo que não alegado pelo recorrente, posto o dever de autotutela da Administração pública e a necessidade de invalidação de atos administrativos irregulares.
    Neste sentido, vale destacar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, esposado nas Súmulas 346 e 473: "A Administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos" e "A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
    Nesta etapa do processo administrativo, ainda não há qualquer possibilidade legal de manifestação do autuado, para que não lhe seja imposta a multa, exceto se assinado o auto de infração, tendo em vista que já se encontrará notificado. Para que isto ocorra, todavia, há que se atentar para o artigo 2°, parágrafos 5° e 6°, da Resolução do Contran n. 404/12, que ampliou o constante do inciso VI do artigo 280 do CTB, dispondo que, para valer como notificação, o auto deve ter sido assinado pelo condutor do veículo, desde que ele também seja o proprietário; e, além disso, deve constar, na autuação, o término do prazo para a defesa da autuação. 
 
II) Notificação da autuação
    Uma vez recebido o auto de infração pela autoridade de trânsito, deverá esta julgar a sua consistência (o que, na prática, ocorre de maneira automática, sem uma análise formal), expedindo-se,  num prazo máximo de trinta dias, a notificação da autuação, conforme prevê o artigo 281 do CTB.
    Este prazo não é, como alguns imaginam, o período máximo para que seja recebida a notificação na residência do autuado, mas para que ocorra a sua expedição, que se concretiza na entrega, pelo órgão de trânsito, à Empresa dos Correios (artigo 3°, parágrafo 1°, da Resolução n. 404/12).
    A notificação da autuação ainda não caracteriza nenhuma penalidade, visando, tão somente, informar ao proprietário de determinado veículo, que existe registrada, contra ele, uma autuação por infração de trânsito.
    A partir dela, surgirão dois desdobramentos para o proprietário do veículo: 1°) o dever de indicar quem era o condutor, no momento da infração; e 2°) o direito de se defender, para que a multa não seja aplicada.
    A indicação do condutor somente é obrigatória nas infrações cometidas na direção do veículo (excluindo-se aquelas relacionadas às condições do veículo, de responsabilidade do proprietário), conforme artigo 257 do CTB, e o prazo máximo para que isto ocorra é de quinze dias, a partir da notificação da autuação (normalmente, os órgãos de trânsito acabam concedendo um prazo pouco maior, que coincide com o da defesa da autuação). Caso não seja realizada a indicação do condutor, a pontuação relativa à infração cometida será registrada no prontuário do proprietário, sendo este habilitado (caso não o seja, não haverá qualquer outra consequência). Se o veículo for de pessoa jurídica, não tendo sido indicado o condutor, será aplicada nova multa, com valor igual ao da primeira, multiplicado pelo número de infrações iguais, cometidas nos últimos doze meses, de acordo com o parágrafo 8° do artigo 257 do CTB, regulamentado pela Resolução do Contran n. 151/03.
    A defesa da autuação, também chamada, por alguns, de defesa prévia (por ser apresentada previamente à imposição da multa) é a primeira manifestação do autuado, frente à acusação que lhe é imputada. O prazo para sua apresentação deve vir informado na própria notificação da autuação, e não poderá ser inferior a quinze dias. Anteriormente à Resolução n. 404/12, o entendimento corrente é que somente poderia versar sobre aspectos formais, o que foi reformulado pelo Conselho Nacional de Trânsito, pois, segundo o artigo 8° desta Resolução, a autoridade de trânsito deve apreciar a defesa, inclusive quanto ao mérito.
    Na defesa da autuação, também é cabível, ao proprietário do veículo, solicitar a substituição da penalidade de multa, pela de advertência por escrito, na conformidade do artigo 267 do CTB, quando se tratar de infração de natureza leve ou média, sem reincidência específica na mesma infração, nos últimos doze meses, o que será avaliado pela autoridade, observado o prontuário do infrator e, considerando as circunstâncias, entender a providência como mais educativa.
 
III) Notificação da penalidade
    Não sendo acatada a defesa da autuação (ou não apresentada, pelo interessado, no prazo previsto), será expedida a notificação da penalidade, isto é, será, efetivamente, aplicada a multa de trânsito. Diferentemente da notificação da autuação, não há prazo máximo para sua emissão, desde que não prescrito o dever punitivo da Administração pública (o que ocorre em cinco anos, contados da data do fato).
    Esta notificação deve conter a data de vencimento da multa, que não será inferior a trinta dias, contados de sua expedição, data essa que é, justamente, o limite para interposição do recurso de primeira instância, o qual deve ser protocolado junto ao órgão ou entidade de trânsito autuador, que remeterá, em até dez dias úteis, a uma das Juntas Administrativas de Recursos de Infrações a ele vinculadas (as Jaris têm composição e funcionamento de acordo com o seu Regimento interno, atendidas as diretrizes gerais estabelecidas pela Resolução do Contran n. 357/10). Se a infração foi cometida em município diverso do registro do veículo, também é possível apresentar o recurso junto ao órgão ou entidade de trânsito do município de domicílio do interessado (artigo 287 do CTB).
    O recurso deve ser apresentado pelo proprietário, pelo condutor ou por procurador, com instrumento de mandado específico, não se exigindo a atuação de advogado, por se tratar de recurso administrativo (e não judicial), devendo seguir ao rito procedimental da Resolução do Contran n. 299/08, que prevê a juntada da notificação (ou auto de infração) e cópias da Carteira Nacional de Habilitação e Certificado de Licenciamento Anual do Veículo. 
    Os argumentos recursais se dividem, basicamente, em alegações de formalidade e de mérito.
    Quanto aos aspectos formais, deve o recorrente apontar questões como eventuais erros de preenchimento do auto de infração, divergências entre o seu veículo e o constante da autuação, inexistência do local da infração ou insuficiência da sinalização de trânsito (quando for o caso). Para um recurso com maior possibilidade de êxito, vale a pena também verificar se foram atendidos os procedimentos de fiscalização, padronizados pelo Conselho Nacional de Trânsito, por meio do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito (Resolução n. 371/10).
    Como nem todas as informações da autuação são repetidas nas notificações, para um recurso bem elaborado é importante que o recorrente solicite cópia do auto de infração, o que tem sido disponibilizado eletronicamente, por vários órgãos de trânsito, justamente com o objetivo de facilitar o exercício da defesa.
    Em relação ao mérito, caberá ao recorrente apresentar argumentos que demonstrem o não cometimento da infração de trânsito ou que justifiquem a sua ocorrência, o que dependerá muito da ponderação subjetiva do julgador, que pode aceitar (ou não) tais explicações. Muitas vezes, a negativa de autoria é desprezada, frente à presunção de legitimidade do ato administrativo (autuação), característica segundo o qual se imagina verdadeira a constatação do agente de trânsito, até que se prove o contrário.
    O prazo para julgamento do recurso, pela Jari, é de trinta dias, não havendo, porém, qualquer desdobramento importante caso este limite não seja atendido, a não ser a possibilidade de concessão de efeito suspensivo, pela autoridade de trânsito (o que significa que, até que ocorra o julgamento do recurso, a multa deixa de ser óbice para o licenciamento ou transferência do veículo).
    Da decisão da Jari, caberá recurso de segunda instância, nos termos do artigo 288 do CTB, podendo ser interposto pelo autuado (no caso de indeferimento) ou pela autoridade de trânsito (se deferido o primeiro recurso), no prazo de trinta dias, a contar da notificação do resultado.
    Para as multas aplicadas por órgão ou entidade de trânsito dos Estados e dos Municípios, o órgão julgador de segunda instância será sempre o Conselho Estadual de Trânsito (ou Conselho de Trânsito do Distrito Federal); apenas para as multas aplicadas em rodovias federais, é que a regra será diferente: para infrações gravíssimas, o Conselho Nacional de Trânsito e, nos demais casos, as Juntas do próprio órgão autuador. O prazo para julgamento, em todos os casos, também é de trinta dias.
    Neste recurso, o interessado pode apenas mencionar sua intenção em levar os fatos a novo julgamento, mantendo-se os mesmos argumentos da defesa anterior, já que nova análise será feita por pessoas diversas.
    Tanto em primeira, quanto em segunda instâncias, não há a exigência de pagamento da multa de trânsito, para a interposição do recurso (a segunda instância fazia tal exigência, o que foi alterado em 2010, com a revogação do parágrafo 2° do artigo 288 do CTB, pela Lei n. 12.249/10).
    O julgamento do recurso, em segunda instância, encerra o processo administrativo de trânsito (artigo 289), havendo a possibilidade, contudo, de, a qualquer momento, levar-se o fato à apreciação do Poder Judiciário, haja vista o princípio da jurisdição única, estabelecido pelo inciso XXXV do artigo 5° da CF/88: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".
 
 
São Paulo, 10 de setembro de 2014.
 
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito.
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