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Art. 202 - Mais rigor no Código de Trânsito Brasileiro, por Julyver Modesto de Araujo

    O Diário Oficial da União de 12/05/14 publicou a Lei n. 12.971/14, que alterou 11 artigos do Código de Trânsito Brasileiro (173, 174, 175, 191, 202, 203, 292, 302, 303, 306 e 308), tratando, com mais rigor, a segurança do trânsito, no tocante a: prática de corrida (racha) ou exibição de manobra perigosa, realização de ultrapassagem proibida e o homicídio no trânsito, causado por condutores sob influência de álcool ou participantes de corrida ou direção perigosa.
    O artigo 2º da Lei 12.971/14 estabelece que as novas regras entram em vigor no 1º dia do 6º mês após a sua publicação; portanto, tais alterações passarão a valer a partir de 01/11/14.
    Destacaremos, a seguir, quais foram as mudanças ocorridas:
 
Racha
    No artigo 173, foi retirada a expressão “por emulação” (espírito de rivalidade, de competição), passando ser descrita a conduta infracional simplesmente como “Disputar corrida”.
    A multa, que era de R$ 574,62 (gravíssima x 3) passará a ser de R$ 1.915,40 (gravíssima x 10), sendo aplicada em dobro (R$ 3.830,80), no caso de reincidência no período de doze meses.
    O artigo 174, que trata da promoção de competição não autorizada (ou participação como condutor), teve pequena alteração do texto que descreve a infração, retirando o adjetivo “esportiva”, após a palavra “competição”.
    Em relação ao valor da multa, teve o mesmo aumento do artigo 173 (apesar de que, proporcionalmente, a majoração foi menor, pois passou de R$ 957,70 para R$ 1.915,40, com a previsão de aplicação em dobro, na reincidência em 12 meses).
 
Exibição de manobra perigosa
    A redação atual do artigo 175 é “Utilizar-se de veículo para, em via pública, demonstrar ou exibir manobra perigosa, arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus” e passará a ser “Utilizar-se de veículo para demonstrar ou exibir manobra perigosa, mediante arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus”.
    Da análise comparativa, verifica-se a ocorrência de duas pequenas modificações:
I – a retirada da expressão “em via pública” do tipo infracional, o que, no meu entendimento, não altera em nada o local em que a conduta, necessariamente, deve ocorrer, para que a infração esteja configurada; se a intenção do legislador foi dar a entender que a exibição de manobra perigosa também pode ser alvo de sanção administrativa quando ocorrida em vias privadas, há que se ressaltar o disposto no artigo 1º do próprio CTB, segundo o qual a legislação de trânsito é aplicável tão somente nas vias terrestres abertas à circulação;
II – a realização de “arrancada brusca, derrapagem ou frenagem com deslizamento ou arrastamento de pneus” deixou de ser o motivo específico de demonstração ou exibição, mas justamente o que configura a manobra perigosa, ficando mais clara a redação; ou seja, a infração será a direção perigosa do veículo, que se verifica quando alguém, por exemplo, realiza uma arrancada brusca.
    Quanto ao valor da multa, o aumento será bastante significativo, pois, atualmente, a infração é considerada gravíssima, sem fator multiplicador, mas passará a ser multiplicada por 10, isto é, a multa aumentará de R$ 191,54 para R$ 1.915,40 (aplicada em dobro na reincidência em 12 meses).
 
Ultrapassagem proibida
    A infração do artigo 191, por “Forçar passagem entre veículos que, transitando em sentidos opostos, estejam na iminência de passar um pelo outro ao realizar operação de ultrapassagem”, já prevista como gravíssima, igualmente, terá o fator multiplicador “dez vezes”, com aplicação em dobro na reincidência em 12 meses. Além disso, passará a ter não só a penalidade de multa, mas também a de suspensão do direito de dirigir.
    As infrações de ultrapassagem pelo acostamento, em interseções e passagens de nível (artigo 202), hoje graves, passarão a ser gravíssimas, com valor da multa multiplicado por cinco (R$ 957,70), sem alteração no caso de reincidência.
    No caso das ultrapassagens, pela contramão de direção, proibidas pelo artigo 203 (I - nas curvas, aclives e declives, sem visibilidade suficiente; II - nas faixas de pedestre; III - nas pontes, viadutos ou túneis; IV - parado em fila junto a sinais luminosos, porteiras, cancelas, cruzamentos ou qualquer outro impedimento à livre circulação; e V - onde houver marcação viária longitudinal de divisão de fluxos opostos do tipo linha dupla contínua ou simples contínua amarela), já classificadas como gravíssimas, também incidirá o fator multiplicador de cinco vezes, com aplicação em dobro na reincidência em 12 meses.
 
Forma qualificada do crime de homicídio culposo
    O crime de “homicídio culposo na direção de veículo automotor” (artigo 302) passou a ter uma forma qualificada, prevista no § 2º, com a seguinte redação: “Se o agente conduz veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão de influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência ou participa, em via, de corrida, disputa ou competição automobilística ou ainda de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente”, que terá como penas: reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
    Interessante notar que as qualificadoras descritas no § 2º do artigo 302, para a ocorrência do homicídio no trânsito, com frequência são entendidas, conforme as circunstâncias, como indicadoras do dolo eventual (no qual o autor assumiu o risco de produzir o resultado), possibilitando a punição do autor do fato, pelo crime de homicídio doloso, previsto no artigo 121 do Código Penal (pena de reclusão, de 6 a 20 anos); tal entendimento (doutrinário e jurisprudencial), muitas vezes reclamado pela própria população, não poderá mais prosperar, tendo em vista que a lei passará a prever que o motorista que mata alguém, no trânsito, sob influência de álcool, ou participando de corrida, disputa, competição ou manobra perigosa, comete o crime de homicídio culposo, na forma qualificada.
    Até 2011, neste tipo de crime, não haveria possibilidade de ser arbitrada fiança pela autoridade de polícia judiciária (Delegado de polícia), por se tratar de crime apenado com reclusão; todavia, com alteração do artigo 322 do Código de Processo Penal, pela Lei n. 12.403/11, o autor do crime terá direito à fiança, ainda no Distrito policial (A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos).
    Cabe destacar que, embora as causas de aumento de pena do homicídio culposo (§ 1º do artigo 302) sejam aplicáveis à lesão corporal culposa (conforme parágrafo único do artigo 303), a alteração legislativa sob comento não incorporou a forma qualificada da influência de álcool ao crime de lesão (mas incluiu a qualificadora da lesão, no crime de participação em corrida, como se verá a seguir).
 
Formas qualificadas do crime de participação em corrida
    O crime do artigo 308, por participação em corrida, disputa ou competição não autorizada, teve uma ligeira alteração redacional, ao substituir a expressão “desde que resulte dano potencial à incolumidade pública ou privada” por “gerando situação de risco à incolumidade pública ou privada”, dando a entender que bastará a presença do risco abstrato à coletividade (e não uma condição específica).
    A pena para este crime, hoje máxima de dois anos, passará a ser de seis meses a três anos; o que fará com que esteja fora da alçada dos Juizados Especiais Criminais, de acordo com o artigo 61 da Lei n. 9.099/95, não sendo, portanto, registrado mediante Termo Circunstanciado, e acarretando a prisão em flagrante do autor, quando presentes os indícios de autoria e materialidade, nos termos do artigo 302 do Código de Processo Penal.
    Ademais, este crime passará a ter duas formas qualificadas: 
I – quando, da participação em corrida, disputa ou competição não autorizada, ocorrer “lesão corporal grave, na modalidade culposa”, a pena privativa de liberdade será de reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos; logo, não será possível concessão de fiança ao preso em flagrante, pela autoridade policial, devendo ser requerida apenas ao Poder Judiciário.
    Merece, aqui, o seguinte esclarecimento: a classificação da gravidade da lesão corporal somente existe, na legislação penal, no caso de crime doloso (artigo 129 do Código Penal), inexistindo quando presente a culpa; todavia, o § 1º do artigo 308 passou a prever um tipo de “lesão corporal grave, na modalidade culposa”, ao prever que a pena será majorada “se da prática do crime previsto no caput resultar lesão corporal de natureza grave, e as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo”;
II – quando, da participação em corrida, disputa ou competição não autorizada, ocorrer morte, de forma culposa (as circunstâncias demonstrarem que o agente não quis o resultado nem assumiu o risco de produzi-lo), a pena privativa de liberdade será de reclusão de 5 (cinco) a 10 (dez) anos (valendo aqui a mesma consideração sobre a fiança).
    Esta forma qualificada do crime do artigo 308 contradiz com a qualificadora do homicídio culposo (§ 2º do artigo 302, outrora explanado), pois repete exatamente a mesma conduta, mas prevendo pena diversa, o que acarretará, inevitavelmente, divergências de interpretação e aplicação da lei, merecendo sua reforma (o que esperamos que ocorra).
    Em outras palavras, o condutor de veículo automotor que participa de uma corrida, disputa ou competição não autorizada, e vem a matar alguém, sem a intenção de fazê-lo (nem assumindo o risco de que isso viesse a ocorrer), responderá pelo crime de homicídio culposo qualificado pela corrida (artigo 302, § 2º), com pena de 2 a 4 anos, ou pelo crime de participação em corrida qualificado pela morte (artigo 308, § 2º), com pena de 5 a 10 anos? Trata-se, infelizmente, de mais uma falha legislativa.
 
    Uma última alteração que merece nossa análise foi a inclusão da palavra “toxicológico” nos testes a serem realizados, para configuração do crime do artigo 306, que, ao tratar da comprovação da “influência de álcool ou outra substância psicoativa” limitava-se a mencionar o teste de alcoolemia (mas se omitia sobre o teste toxicológico).
 
São Paulo, 10 de maio de 2014.
 
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e Especiali sta em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; Capitão da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT; Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN; Conselheiro fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito, além do blog www.transitoumaimagem100palavras.blogspot.com.
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