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Art. 280 - Fiscalização de trânsito por videomonitoramento, por Julyver Modesto de Araujo

    O Código de Trânsito Brasileiro prevê, num total de 244 (duzentas e quarenta e quatro), determinadas condutas consideradas como infrações de trânsito, às quais são aplicáveis as sanções administrativas de trânsito, a partir de uma constatação válida que permita ao órgão ou entidade de trânsito ou rodoviário, com circunscrição sobre a via, exercer a sua competência punitiva.
    Existem, basicamente, 3 (três) formas de constatação válida de uma infração de trânsito, para que ela seja punível, conforme artigo 280 § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro: I) declaração da própria autoridade de trânsito (dirigente máximo do órgão ou entidade executivo, ou pessoa por ele expressamente designada); II) declaração do agente da autoridade de trânsito (servidor civil, estatutário ou celetista, ou policial militar designado, mediante convênio firmado); e III) equipamento previamente regulamentado pelo Conselho Nacional de Trânsito (como é o caso dos equipamentos medidores de velocidade, etilômetros e decibelímetros).
    Não há, desta forma, condições legais de se impor uma penalidade de trânsito a alguém que comete uma infração, mas é “denunciado” por outra pessoa, física ou jurídica, ainda que se utilizando de tecnologia, por exemplo, tirando uma fotografia ou fazendo um vídeo, no momento da conduta infracional (é comum se questionar este tipo de constatação, quando infratores são filmados e exibidos na rede televisiva ou na rede mundial de computadores).
    Esta preocupação do legislador decorre da situação de desigualdade jurídica em que se encontra a Administração pública e os administrados, sendo certo que somente aqueles atos praticados no exercício da função pública (pelas formas de constatação mencionadas) é que terão o atributo da presunção de legitimidade, ou seja, consideram-se verdadeiros e de acordo com o Direito até prova em contrário.
    Interessante observar que esta limitação das formas de constatação da infração de trânsito, dando-se fé pública apenas à atuação do agente público (ou da tecnologia já regulamentada) difere de outras searas de repressão a condutas irregulares durante o convívio social; na prática de um crime, por exemplo, a denúncia da vítima ou de uma testemunha deve desencadear o correspondente registro e a persecução criminal, mediante inquérito policial, para apuração das reais responsabilidades dos envolvidos e sua consequente punição pelo Poder Judiciário.
    Nem sempre a regra foi esta. No Estado de São Paulo, por exemplo, quando havia a possibilidade de coexistir leis estaduais de trânsito com a legislação federal (atualmente, isto não é possível, tendo em vista a competência privativa da União para legislar sobre trânsito e transportes – artigo 22, inciso XI, da Constituição Federal de 1988), o Regulamento Geral de Trânsito para o Estado (Decreto n. 9.149∕38) previa, em seus artigos 247 e 248, que qualquer transgressão regulamentar, referente ao tráfego, poderia ser levada ao conhecimento da Diretoria de Serviço de Trânsito, pelo interessado, ou lesado, por qualquer Associação, por pessoa idônea, por escrito e, caso a pessoa não soubesse ler e escrever, a sua queixa seria lançada em livro específico para isto, dando prazo de defesa ao acusado, que deveria iniciá-la no prazo máximo de 48 horas, ao fim do qual seria aplicada a penalidade cabível (artigo 253).
    Atualmente, como já ponderado, cabe somente à autoridade de trânsito ou a seu agente a declaração de que uma infração de trânsito foi cometida, condição que passou a ser ampliada com o advento da tecnologia, já que muitos equipamentos passaram a ser fabricados, capazes de medir ou simplesmente demonstrar que uma infração foi cometida. Se analisarmos as estatísticas de qualquer órgão de trânsito, poderemos constatar, certamente, que grande parte das multas de trânsito aplicadas, hoje, decorre da constatação eletrônica.
    Aliás, algumas infrações dependem de medição, como é o caso do excesso de velocidade, do equipamento de som em volume excessivo, ou da carga transportada em peso superior ao fixado para determinada via; situações nas quais não seria possível a simples observação do funcionário responsável pela fiscalização de trânsito.
    Outras infrações, no entanto, não precisam de medição, mas podem ser constatadas por meio de máquinas fotográficas automáticas, instaladas em pontos estratégicos e de grande incidência de infrações, como em conjuntos semafóricos, cruzamentos com faixas de pedestres e placas de conversão proibida, ou pistas de rolamento com faixas exclusivas de ônibus. Tais equipamentos são denominados sistemas automáticos não metrológicos e encontram regulamentação na Resolução do Conselho Nacional de Trânsito nº 165∕04, além de Portarias do Departamento Nacional de Trânsito específicas para cada tipo de infração constatada.
    As câmeras de videomonitoramento, utilizadas para controle do tráfego e para incrementar a segurança da população, têm conquistado cada vez mais espaço nos Municípios, o que tem gerado o questionamento sobre a possibilidade ou não de se utilizar as imagens obtidas, para a aplicação de multas de trânsito, quando se percebe que algum usuário da via pública cometeu uma infração; embora alguns órgãos e entidades executivos de trânsito e rodoviários já vinham utilizado tal expediente há algum tempo, até recentemente não havia qualquer regulamentação a respeito.
    A controvérsia sobre a sua validade reside no seguinte ponto: quando um funcionário do órgão responsável pelo monitoramento à distância percebe uma conduta infracional, de quem é responsabilidade pela constatação do comportamento irregular?: se for daquela própria pessoa, a comprovação do fato equivaleria à sua presença na via pública, com a utilização de um binóculo que a permitisse enxergar mais distante, e a única exigência, para a validade da multa, é que se trate de um agente da autoridade de trânsito (nos termos do artigo 280, § 4º, do CTB); se, por outro lado, a comprovação for creditada ao equipamento, haveria a necessidade de uma regulamentação prévia, como ocorre com qualquer outro equipamento tecnológico utilizado no trânsito.
    A partir destes questionamentos, foi que o Conselho Nacional de Trânsito, após estudos promovidos na Câmara Temática, decidiu publicar a Resolução nº 471, de 18∕12∕13, para regulamentar a fiscalização de trânsito por intermédio de videomonitoramento em estradas e rodovias, nos termos do § 2º do artigo 280 do Código de Trânsito Brasileiro (estranho apenas a limitação aos locais de utilização – estradas e rodovias, posto que o mesmo critério deveria ser aplicado também às vias urbanas; se levarmos em conta que os “considerandos” da Resolução são muito mais abrangentes, tratando das vias públicas de maneira geral, lícito supor que a regulamentação também alcança a atuação dos órgãos e entidades executivos de trânsito, nos Municípios).
    Existem apenas 4 (quatro) requisitos para a validade da multa por infrações de trânsito constatadas de maneira remota, pelo videomonitoramento (não sendo estabelecidas quaisquer exigências sobre o equipamento utilizado, seja quanto à homologação pelo Inmetro, aferição periódica ou modo de funcionamento):
1º) a fiscalização remota deve ser feita pessoalmente pela autoridade ou pelo agente de trânsito, cuja identificação, logicamente, deve constar do auto de infração lavrado;
2º) a detecção da infração deve ser feita online, isto é, no momento em que ela acontece, não sendo possível utilizar imagens gravadas, para autuações posteriores;
3º) o campo de observações do auto de infração deve conter indicação de que a conduta foi flagrada com a utilização do sistema de videomonitoramento;
4º) a fiscalização remota somente pode ser realizada nas vias devidamente sinalizadas para esse fim, não havendo, todavia, previsão, nesta norma, de qual deve ser o sinal de trânsito utilizado. Se analisarmos o Anexo II do CTB (sinalização de trânsito), concluiremos que deve ser utilizada a sinalização de indicação (item 1.3), do tipo placas educativas (1.3.3.), que “têm a função de educar os usuários da via quanto ao seu comportamento adequado e seguro no trânsito. Podem conter mensagens que reforcem normas gerais de circulação e conduta”.
    Por fim, vale destacar que não há uma limitação de quais as infrações de trânsito podem ser autuadas desta maneira, o que significa que, cada vez mais, veremos uma ampliação desta ferramenta para coibir abusos no trânsito; se, por um lado, trata-se de uma preocupação maior aos infratores contumazes, que serão vigiados à distância; por outro, a tecnologia permitirá, sem sombra de dúvida, um incremento da segurança viária. E com isso, obviamente, todos ganhamos!

 
São Paulo, 10 de janeiro de 2014. 
 
JULYVER MODESTO DE ARAUJO, MESTRE em Direito do Estado pela PUC/SP e ESPECIALISTA em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de SP; CAPITÃO da Polícia Militar de SP, atual Chefe do Gabinete de Treinamento do Comando de Policiamento de Trânsito; Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT (www.ceatt.com.br); Conselheiro do CETRAN/SP, desde 2003 e representante dos CETRANS da região sudeste no Fórum Consultivo por dois mandatos consecutivos; Diretor do Conselho Consultivo da ABRAM e Presidente da Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito – ABPTRAN (www.abptran.org); Conselheiro fiscal da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET/SP, representante eleito pelos funcionários, no biênio 2009/2011; Autor de livros e artigos sobre trânsito, além do blog www.transitoumaimagem100palavras.blogspot.com.
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